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Tragédia da Gol deixa ao menos cem órfãos
Eles são de diversas idades, alguns com apenas poucos meses, e estão em várias cidades; alguns têm reações de maturidade
Abel, de um ano e três meses, chama pelo pai, Claudemir Rosa, toda vez que o telefone toca em sua casa em Salvador
AFRA BALAZINA
MARIANA TAMARI
DA REPORTAGEM LOCAL
Abel, de um ano e três meses,
chama pelo pai toda vez que o
telefone toca. O garoto costumava conversar todos os dias
com Claudemir Rosa, uma das
vítimas do acidente com o avião
da Gol, por meio do aparelho.
Rosa morava em Manaus,
onde trabalhava como soldador
havia dois meses. A mulher e
seus dois filhos continuavam
em Salvador (BA).
"Ele só sabe falar papai, mamãe, vovó e água. Toda vez que
o telefone toca pensa que é o
pai", diz a prima de Abel, Jamile Rocha, 18. Ela era afilhada de
Claudemir. Segundo Jamile,
Abel está mais nervoso que o
usual, mas tem dado muitos
beijos na mãe. "Ele é muito pequeno, não tem como explicar o
que aconteceu. Mas sabe que
algo está errado, principalmente porque vê a mãe muito triste
ultimamente."
A queda do vôo 1907 deixou
ao menos cem órfãos, de diferentes idades, alguns com reações surpreendentes de maturidade. Um dos mais novos
identificados pela reportagem
tem apenas dois meses, mas
sua família prefere não falar.
De acordo com Jamile, a filha
mais velha de Claudemir, Natalie, 10, já sabe da morte do pai.
Até agora, porém, não "botou
para fora" a tristeza. "Ela tenta
consolar os avós. A psicóloga
que a acompanha diz que ela
está tentando agir como adulta.
Que precisamos pegar ela no
colo e deixá-la ser criança. Estamos tentando."
O vigilante Lavoisier Maia,
outra vítima do acidente, deixou a mulher Maria, 32, e uma
filha de oito anos, Luana. Segundo a irmã de Lavoisier, Elizabeth, a sobrinha também já
sabe da morte do pai.
"A psicóloga que está acompanhando diz que é pior esconder. Quanto mais tempo demorar para contar a verdade, pior
fica. Apesar de pequena, ela entende e está muito triste", diz.
Maria Zilda Maia, irmã de
Lavoisier, também morreu no
acidente. Sua filha Zildomara
Maia, 21, muito abalada, não
quis conversar com a reportagem. Ela está em Brasília desde
domingo, em companhia do irmão, Vanderson, 20.
Tabu da morte
"As crianças de sete, oito e
nove anos já têm noção da irreversibilidade da morte. Os
adultos devem falar abertamente sobre isso", diz Aroldo
Escudeiro, psicólogo e tanatólogo (que estuda a morte).
Segundo ele, para as crianças
menores -que não entendem o
fenômeno racionalmente, mas
emocionalmente- a morte é
representada pela ausência de
uma pessoa querida.
Para Escudeiro, é importante
que as crianças participem do
processo de pesar. "Muitas pessoas acham que, para protegê-las, é melhor deixá-las com um
vizinho. Mas elas têm que participar do enterro, ir junto aos
rituais. Assim, sentirão o apoio
da família e poderão expressar
o pesar", afirma.
Segundo ele, a morte súbita,
como a do acidente aéreo, é ainda mais difícil de assimilar do
que a morte anunciada, de alguém que está doente. "No caso
desse acidente aéreo a situação
é ainda mais complicada porque existe uma perda ambígua,
já que muitos corpos ainda estão desaparecidos. Ver o corpo
do morto dá a certeza de que é
preciso entrar no processo de
pesar. Isso fecha o ciclo."
De acordo com o psicólogo,
coordenador da Rede Nacional
de Tanatologia, os filhos que
perderam os pais no acidente,
principalmente as crianças,
precisam de ajuda profissional
para superar a perda. "Eles precisam se expressar, xingar, falar
da sua dor, da sua perda, do seu
medo."
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