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MOACYR SCLIAR
Os 15 minutos de fama
No quinto minuto já tinha decidido: ficaria e enfrentaria a situação. Mostraria que podia estar por cima da carne seca
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A história recente tem mostrado que, após a superexposição à mídia, logo logo
apagam-se os holofotes, desligam-se as
câmaras, recolhem-se os microfones.
Cotidiano, 1º de outubro de 2007
No futuro, cada um será mundialmente
famoso durante 15 minutos. Andy Warhol. A frase consta do catálogo de uma
exposição de seus trabalhos artísticos
em Estocolmo, 1968.
NO PRIMEIRO MINUTO DE fama
ela reagiu com incredulidade: embora não fosse exatamente uma pessoa obscura -conhecia gente importante-, nunca
imaginara que atrairia a atenção das
pessoas daquela maneira. Os jornalistas simplesmente enxameavam
ao redor. Ela não podia ir ao shopping ou ao restaurante, não podia sequer sair de casa: num segundo eles estavam a seu redor, crivando-a
de perguntas.
No segundo minuto a sensação de
desconforto aumentou; era constrangimento, misturado com estranheza, e mesmo raiva: afinal, o que
esta gente quer de mim? Por que
tanta foto, por que tantas câmeras
apontadas em minha direção, por
que tantos microfones? Por que não
me deixam em paz, por que não cuidar de crimes, seqüestros, roubos?
No terceiro minuto, a angústia
chegou a tal ponto que ela resolveu
fugir. Desapareceria da cidade, do
país. Sumiria até ser esquecida, o
que, esperava, não demoraria muito.
No quarto minuto, entretanto, resolveu se acalmar. Não, não poderia
tomar uma decisão precipitada,
mesmo porque ela não estava sozinha naquela história; outras pessoas
poderiam não gostar se ela de
súbito sumisse.
No quinto minuto já tinha decidido: ficaria ali e enfrentaria a conjuntura com serenidade. Mostraria que
podia estar por cima da carne seca.
No sexto minuto essa nova atitude
começou a proporcionar resultados.
Estava enfrentando com a maior
tranqüilidade o assédio da mídia e
até ensinando os jornalistas sobre
como proceder.
No sétimo minuto sentia-se completamente tranqüila e mesmo senhora da situação. Uma metamorfose que, claro, envaidecia-a.
No oitavo minuto deu-se conta de
que era preciso organizar-se, se queria mesmo transformar o limão em
limonada, em tirar o proveito possível do acontecimento.
No nono minuto começou a traçar
estratégias, a criar fluxogramas. Organizada sempre fora -e aquilo era
um teste para sua capacidade de administrar crises (ou, pelo menos, situações inusitadas).
No décimo minuto estava com o
esquema pronto, mas então a dúvida assaltou-a: o que mesmo ela queria? A fama? O dinheiro? Ou a fama e
o dinheiro, tudo junto?
No décimo segundo minuto deu-se conta: o breve instante de vacilação cobrara seu preço. Boa parte da
mídia já estava interessada em outros casos.
No décimo terceiro minuto sentiu
que estava perdendo a batalha. O
que deixou-a verdadeiramente desesperada.
No décimo quarto minuto, sozinha em seu apartamento, sentiu-se
cansada, muito cansada. O calor era
infernal e o ar condicionado estava
estragado. O que fazer?
No décimo quinto minuto, irritada, decidiu: tirou a roupa. E aquilo
lhe deu uma idéia. Uma grande idéia
sobre como fazer render os seus 15
minutos de fama. Por que não posar
nua para uma revista? A fama é transitória. A nudez, ao contrário, nos
acompanha por toda a vida.
MOACYR SCLIAR escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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