São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1998

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DISCRIMINAÇÃO
Dados da Funai mostram que dos 1.800 que vivem na cidade de São Paulo, apenas cerca de 600 trabalham
Índio esconde origem para obter emprego

LILIAN CHRISTOFOLETTI
da Reportagem Local

O medo do preconceito tem obrigado índios que moram em São Paulo a camuflar suas origens para conseguir emprego. Na hora de procurar trabalho, os índios se apresentam como negros, nordestinos ou índios argentinos.
E mesmo assim, disfarçados, os indígenas em geral só conseguem disputar vagas mal remuneradas que estão à disposição no mercado de trabalho. No final, acabam ocupados como pedreiros, vigilantes ou empregadas domésticas.
"Trabalhei um ano e dois meses em uma casa de família. Quando contaram para a minha patroa que eu era índia, ela começou a dar indiretas dizendo que não gostava de índios e depois me demitiu", diz Maria de Fátima Cardoso, índia da tribo dos pankararus que passou a trabalhar como merendeira depois de ter sido demitida.
A remuneração desses trabalhadores acompanha esse raciocínio. Segundo dados da Funai (Fundação Nacional do Índio), dos 1.800 índios que moram na capital, apenas cerca de 600 trabalham. A média salarial é de R$ 350.
O preconceito contra os índios é resquício de uma imagem que tem quase 500 anos. Escravizados, os indígenas resistiam e eram considerados "indolentes". Os ecos desses adjetivos continuam sendo ouvidos até hoje.
"Preguiçoso", "ingênuo", "selvagem", dizem os índios entrevistados pela Folha, sobre como são chamados pela população das cidades.

Ignorância
Para o índio Jurandir Siridiwê Xavante, representante dos xavantes em São Paulo, a origem do preconceito está ligada à história do Brasil. "Nas escolas, as crianças aprendem que o índio foi substituído pelo negro na escravidão porque ele era preguiçoso", diz.
Antropólogos e especialistas consultados pela Folha dizem que a reação do índio de esconder a origem é compreensível.
"A sociedade ignora aquilo que desconhece ou que tem medo, por isso, se fecha para o índio", diz a antropóloga Betty Mindlin.
Segundo o chefe do serviço de assistência da Funai e representante dos terenas na capital, Mário de Camilo Ivy, três grupos indígenas vivem em São Paulo: fulniôs, guaranis e pankararus. "Apenas esses últimos se arriscam na disputa de emprego."
Segundo ele, os fulniôs e guaranis são mais isolados e vivem de artesanato, doações e de agricultura. "Em comum, eles têm as condições precárias de vida em favelas, aldeias ou áreas rurais", diz.
De acordo com Ivy, os pankararus são pioneiros na busca por emprego em São Paulo.
"Eles são corajosos. A maioria dos índios prefere continuar em comunidade e evitar o branco."
Coragem
Para o presidente da Associação Indígena Pankararu, Frederico Pankararu, a coragem é mais uma necessidade de sobrevivência. Segundo ele, faz parte da tradição de sua aldeia, Brejo dos Padres, em Pernambuco, encaminhar os jovens de 18 anos para trabalhar em São Paulo.
"É uma fase de aprendizado do jovem. Nós trabalhamos para ganhar dinheiro, mas o nosso destino é voltar para a aldeia", afirma.
Segundo ele, é preciso coragem para enfrentar a cidade grande.
Essa qualidade não faltou para o índio xerente Wa'ikaira', 16. Ele é jogador de futebol e foi chamado para fazer um teste na seleção da Bélgica. "É uma vitória, um sonho que está se realizando", diz.
A empresária do atacante, Sandra Eli de Melo, diz que ele se tornou o orgulho da aldeia. "Foi um milagre. Não tem outra explicação", afirma a empresária.



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