São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1998

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GILBERTO DIMENSTEIN
O pacote do medo

Estimativas reservadas do governo indicam explosão do desemprego no próximo semestre, chegando a atingir os 13%; o patamar atual gira em torno dos 8%.
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, prevê que os trabalhadores da construção civil, com abundante mão-de-obra sem qualificação, serão algumas das vítimas preferenciais.
É gente que, devido à baixa escolaridade, sofre gigantescas dificuldades de reciclagem, com escassas chances no mercado de trabalho.
Circulam cálculos segundo os quais, no primeiro trimestre de 1999, a economia irá se retrair em cerca de 8%, comparando com mesmo período deste ano.
Estamos, enfim, começando a sentir saudades do atual nível de desemprego -um nível que imaginávamos, até pouco tempo, beirar o insuportável.
O impacto dessas projeções no cotidiano, longe das frias estatísticas econômicas, nutre uma das mais temidas pragas nacionais, um pesadelo do brasileiro tão ou mais incômodo do que o próprio desemprego: a violência nas cidades.
Será que corremos o risco de sentir saudades também dos atuais níveis de violência urbana? Desculpe incomodar o domingo do leitor, mas a resposta está entre talvez e provavelmente.


Acaba de sair uma investigação da ONU (Organização das Nações Unidas) comparando os índices de violência em 185 países -e, ali, são demolidos mitos, mas reforçados os temores brasileiros de que a violência prospere.
Mito demolido: a visão de que os homicídios são mais graves em nações pobres e subdesenvolvidas.
Por incrível que pareça, é uma bobagem.


Prepare-se para a surpresa: o número de homicídios nas nações mais miseráveis do planeta ainda é mais baixo do que nos mais ricos.
Nas nações mais pobres, existem 4,2 assassinatos por 100 mil habitantes. Nas industrializadas, 4,7. Para entender essa estatística: somos, no Brasil, uma população em torno de 154 milhões de pessoas. Nossa taxa é de 24 assassinatos por 100 mil -o que representa 37 mil mortes todos os anos.
Peguemos o caso do sul da Ásia, onde estão localizados exemplos de miséria como Índia ou Bangladesh; lá, é 2,2 por 100 mil. Mas a América do Norte, onde imperam os Estados Unidos, é 6,1 por 100 mil.


A situação é especialmente grave nos países intermediários como o Brasil, onde se misturam primeiro e terceiro mundos.
Nos países em desenvolvimento, a taxa pula para 12,7%. O pico vai para a América Latina (20). Na região, estamos acima da média.
A média nada ou pouco significa para quem vive nos grandes centros como Rio de Janeiro ou São Paulo; nessas cidades atingem-se, respectivamente, 74 e 44 por mil. Várias vezes mais, portanto, do que a realidade dos miseráveis indianos, onde a renda per capita é 25 vezes menor.
Não é necessário esforço de raciocínio. Alguém com apenas 30 anos de idade se lembra como as cidades eram bem mais tranquilas em seus tempos de infância, embora o Brasil fosse bem mais pobre.


O problema de estar no meio entre miseráveis e desenvolvidos é ter de administrar os efeitos da migração explosiva para cidades sem capacidade de migrantes, oferecendo-lhes moradia, hospitais, empregos e escolas.
Perdem os laços que tinham em suas comunidades, tornam-se vítimas da violência da invisibilidade; são anônimos vivendo entre anônimos.
Ao lado da desigualdade social, são bombardeados pelos apelos de consumo; os adolescentes, com baixa escolaridade, longe da chance de emprego, são atraídos pelo dinheiro fácil do crime.
Não é, assim, um problema de miséria -certamente, a maioria dos migrantes ganha mais do que quando estava no Nordeste.
É a sensação permanente de marginalidade que gera a violência. O desemprego apenas joga álcool nessa fogueira.


O aumento da crise econômica, movida, em boa parte, a omissão do poder público, descaso dos governantes, aumentou a taxa de medo da sociedade brasileira -vai do medo de perder o emprego ao medo de andar na rua.
Daí se vê o que significa o perigo da brincadeira com as medidas necessárias para ajustar a nação.
O país seria bem melhor se os homens públicos fossem obrigados a sentir o cotidiano como, por exemplo, matricular seus filhos numa escola pública, enfrentar a fila de um hospital ou ter de andar a pé, sem segurança, numa rua de uma cidade como São Paulo ou Rio.


PS - Por falar em emprego, a moda da inteligência emocional, nascida nos EUA, se instalou definitivamente nos departamentos de recursos humanos brasileiros. Virou um critério para seleção de candidatos.
Saber lidar com as emoções passa a ser tão importante como saber lidar com as informações. Já existe uma série de sites em português sobre inteligência emocional. Uma coletânea deles pode ser encontrada no Universo Online, no endereço www.aprendiz.com.br.


E-mail: gdimen@uol.com.br



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