São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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NORDESTE

Falta de informação e sintomas parecidos com os de outras moléstias comuns na região contribuem para subnotificação

Preconceito faz Aids avançar no sertão

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM FORTALEZA

No sertão nordestino, Aids é um tabu que preocupa as autoridades de saúde. Com preconceito, falta de informação e confusão dos sintomas iniciais da doença com os tradicionalmente associados à miséria da seca, a subnotificação esconde um quadro sombrio.
Não existem levantamentos fechados sobre os números da Aids especificamente no sertão, exatamente devido à subnotificação, mas as autoridades de saúde do Ceará têm se deparado com casos que lembram o início da epidemia tanto pela falta de informação dos doentes e dos familiares como pelo retrocesso em termos de preconceito, mesmo depois de várias campanhas de esclarecimento.
É o caso E.M.A, 25. "O que tenho é uma infecção muito grande", diz ela, abandonada por um mês pela família no hospital São José, em Fortaleza, referência no tratamento de doenças infecciosas no Estado.
Ela insiste que está doente porque comeu alguma coisa estragada e que os familiares mentem quando dizem que é algo mais grave. E. foi internada no começo de novembro com diarréia, feridas na pele e fraqueza, sintomas comuns em áreas pobres, sem água encanada e sem tratamento de esgoto, como em grande parte do interior do Ceará.
Às assistentes sociais, E. conta histórias confusas sobre a sua infecção e sua vida em Itapipoca (130 km de Fortaleza), mas lembra que os vizinhos aconselharam os pais a derrubar o banheiro, feito de taipa, porque ela tinha usado. Também separaram copos e outros objetos e isolaram E. em um quarto antes da internação.
Não há um surto de casos de Aids no Ceará, mas os números globais preocupam, principalmente pela falta de atendimento no interior do Estado. São 4.237 doentes notificados no Estado até este ano, dos quais 1.625 já morreram. No interior do Estado, há 1.121 casos notificados -no Nordeste, a Bahia tem o maior número de ocorrências, segundo o Ministério da Saúde, com 5.185.
"O maior problema é que, na maioria dos casos, o paciente só fica sabendo que tem a doença quando já aparecem os sintomas. Daí, o tratamento fica bem mais difícil", diz a diretora do hospital, Maria Airtes Vitoriano.
"A pessoa se nega a fazer o exame de HIV por ignorância, porque não tem acesso à informação e sabe que, numa cidade pequena, a população tem muito preconceito", afirma o médico infectologista Érico Arruda, especialista no tratamento de Aids em Fortaleza.
Os sintomas gerais causados pela Aids -diarréia, febre e emagrecimento- causam confusão entre os pacientes, o que também explica a subnotificação e mesmo o diagnóstico tardio dos doentes.
"Eles se negam a acreditar que têm a doença e vão adiando ainda mais o diagnóstico. Muitos só se internam quando o quadro está bastante grave", diz Arruda.
No Ceará, a subnotificação também é explicada pela centralização do atendimento em Fortaleza. São 2.100 pacientes cadastrados no hospital São José. Com exceção de Sobral, que já possui com um posto de atendimento, as demais cidades não contam com esse serviço -há um em implantação em Juazeiro do Norte.
Caravanas do interior do Ceará com portadores do vírus HIV chegam diariamente a Fortaleza.
F.A.S., 32, faz o trajeto de Russas a Fortaleza, de 159 quilômetros, todo mês. Dessa vez, ela teve de ficar internada por causa de uma "dor de cabeça que não passa". Há dois anos com a doença, ela sobrevive com um salário mínimo, pago pelo governo.


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