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SAÚDE
Ministro prepara licenciamento compulsório de medicamento anti-Aids, vendido pela Roche, para fabricá-lo em laboratório estatal
Governo quer forçar produção de remédio
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo ameaça fazer até o
fim deste mês o licenciamento
compulsório do medicamento
nelfinavir, usado no coquetel para
o tratamento da Aids e comercializado no Brasil pelo laboratório
Roche.
Se isso ocorrer, o remédio passará a ser produzido por um laboratório estatal -o Far-Manguinhos, com sede no Rio- sem a
autorização da Roche. O governo
brasileiro deverá pagar à empresa
4% sobre o valor do medicamento a título de royalties.
A medida seria adotada por
causa de divergências quanto ao
preço do remédio. O governo
quer uma redução de pelo menos
35%, mas a Roche acenou com
5%, segundo o ministro Humberto Costa (Saúde).
"Se não tiver jeito, vai ser necessário fazer isso [licenciamento
compulsório]", disse Costa. "A
empresa [Roche] tem tem se mostrado absolutamente inflexível."
O ministro afirmou ainda que a
multinacional suíça "colabora
muito pouco com o Brasil".
O coordenador do programa
nacional de Aids, Alexandre
Granjeiro, afirmou que as negociações com a Roche "chegaram a
um limite e não avançam". Ele
disse ainda que a decisão sobre o
licenciamento compulsório "é
uma questão imediata, que deverá sair ainda este ano".
Já houve uma reunião entre os
ministérios da Saúde e do Desenvolvimento para analisar o problema. Falta ouvir o Ministério
das Relações Exteriores e levar à
Casa Civil a decisão do grupo ministerial que trata do assunto.
O Ministério da Saúde gasta cerca de R$ 500 milhões por ano com
remédios para Aids. Desse valor,
63% são destinados ao pagamento de quatro medicamentos importados, entre eles o nelfinavir.
As empresas que comercializam
os outros três produtos já reduziram seu preço ou ainda negociam
com o ministério.
O laboratório Bristol, por exemplo, reduziu o preço do atazanavir, que começará a ser distribuído neste mês, em 76%.
O diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde),
Joong Woon Lee, que está em
Brasília participando do Seminário Internacional sobre Cuidados
Primários de Saúde, apoiou o
Brasil. "A decisão se faz em sintonia e no contexto de um acordo
da Organização Mundial do Comércio. O licenciamento é uma
das formas de disponibilizar medicamentos a preços acessíveis."
Lee referiu-se à reunião ministerial da OMC ocorrida em maio
de 2001, quando foi aprovada a
Declaração de Doha, que decidiu
pela prevalência das questões de
saúde pública sobre os interesses
comerciais. Essa declaração abriu
espaço para que países em desenvolvimento façam o licenciamento compulsório de medicamentos
considerados essenciais para a
saúde pública.
Caso o governo tome a decisão
de licenciar compulsoriamente o
medicamento, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva precisará assinar um decreto declarando que a
aquisição do remédio é de interesse público.
Feito isso, Costa publicará um
ato no "Diário Oficial" informando sobre o licenciamento compulsório do medicamento. O ato
também regulamentará o pagamento de royalties.
Granjeiro informou que há uma
espécie de consenso internacional
que fixa esses royalties em 4% sobre o preço de comercialização.
A diferença entre o licenciamento compulsório e a quebra de
patentes é justamente o pagamento dos royalties. Quando a patente
é quebrada, o governo não paga
esse valor.
A Roche poderá recorrer à
OMC (Organização Mundial do
Comércio) para evitar o licenciamento. Quem representa a empresa na instituição é a Suíça, país
de origem da empresa. Os Estados Unidos também poderão intervir. O laboratório que detém a
patente do nelfinavir é o Agouron, sediado nos EUA. A Roche
detém apenas o direito de comercializar o produto no Brasil.
A direção da Roche informou
que as negociações com o governo em torno dos preços do nelfinavir "não terminaram" e que os
dois lados "continuam dialogando". A direção disse que a Roche
apóia os programas do governo e
que está fazendo "o melhor possível" para que se chegue a um entendimento. "A Roche é parceira
do governo", disse a gerência de
comunicação corporativa.
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