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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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SAÚDE

Ministro prepara licenciamento compulsório de medicamento anti-Aids, vendido pela Roche, para fabricá-lo em laboratório estatal

Governo quer forçar produção de remédio

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo ameaça fazer até o fim deste mês o licenciamento compulsório do medicamento nelfinavir, usado no coquetel para o tratamento da Aids e comercializado no Brasil pelo laboratório Roche.
Se isso ocorrer, o remédio passará a ser produzido por um laboratório estatal -o Far-Manguinhos, com sede no Rio- sem a autorização da Roche. O governo brasileiro deverá pagar à empresa 4% sobre o valor do medicamento a título de royalties.
A medida seria adotada por causa de divergências quanto ao preço do remédio. O governo quer uma redução de pelo menos 35%, mas a Roche acenou com 5%, segundo o ministro Humberto Costa (Saúde).
"Se não tiver jeito, vai ser necessário fazer isso [licenciamento compulsório]", disse Costa. "A empresa [Roche] tem tem se mostrado absolutamente inflexível." O ministro afirmou ainda que a multinacional suíça "colabora muito pouco com o Brasil".
O coordenador do programa nacional de Aids, Alexandre Granjeiro, afirmou que as negociações com a Roche "chegaram a um limite e não avançam". Ele disse ainda que a decisão sobre o licenciamento compulsório "é uma questão imediata, que deverá sair ainda este ano".
Já houve uma reunião entre os ministérios da Saúde e do Desenvolvimento para analisar o problema. Falta ouvir o Ministério das Relações Exteriores e levar à Casa Civil a decisão do grupo ministerial que trata do assunto.
O Ministério da Saúde gasta cerca de R$ 500 milhões por ano com remédios para Aids. Desse valor, 63% são destinados ao pagamento de quatro medicamentos importados, entre eles o nelfinavir. As empresas que comercializam os outros três produtos já reduziram seu preço ou ainda negociam com o ministério.
O laboratório Bristol, por exemplo, reduziu o preço do atazanavir, que começará a ser distribuído neste mês, em 76%.
O diretor-geral da OMS (Organização Mundial de Saúde), Joong Woon Lee, que está em Brasília participando do Seminário Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, apoiou o Brasil. "A decisão se faz em sintonia e no contexto de um acordo da Organização Mundial do Comércio. O licenciamento é uma das formas de disponibilizar medicamentos a preços acessíveis."
Lee referiu-se à reunião ministerial da OMC ocorrida em maio de 2001, quando foi aprovada a Declaração de Doha, que decidiu pela prevalência das questões de saúde pública sobre os interesses comerciais. Essa declaração abriu espaço para que países em desenvolvimento façam o licenciamento compulsório de medicamentos considerados essenciais para a saúde pública.
Caso o governo tome a decisão de licenciar compulsoriamente o medicamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisará assinar um decreto declarando que a aquisição do remédio é de interesse público.
Feito isso, Costa publicará um ato no "Diário Oficial" informando sobre o licenciamento compulsório do medicamento. O ato também regulamentará o pagamento de royalties.
Granjeiro informou que há uma espécie de consenso internacional que fixa esses royalties em 4% sobre o preço de comercialização.
A diferença entre o licenciamento compulsório e a quebra de patentes é justamente o pagamento dos royalties. Quando a patente é quebrada, o governo não paga esse valor.
A Roche poderá recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) para evitar o licenciamento. Quem representa a empresa na instituição é a Suíça, país de origem da empresa. Os Estados Unidos também poderão intervir. O laboratório que detém a patente do nelfinavir é o Agouron, sediado nos EUA. A Roche detém apenas o direito de comercializar o produto no Brasil.
A direção da Roche informou que as negociações com o governo em torno dos preços do nelfinavir "não terminaram" e que os dois lados "continuam dialogando". A direção disse que a Roche apóia os programas do governo e que está fazendo "o melhor possível" para que se chegue a um entendimento. "A Roche é parceira do governo", disse a gerência de comunicação corporativa.



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