São Paulo, quinta-feira, 08 de dezembro de 2005

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PASQUALE CIPRO NETO

Mais do que parece ser

Muitos dos vestibulares de hoje elaboram questões que aparentemente tratam de apenas um assunto, mas, na verdade, exigem que o candidato demonstre amplo conhecimento de uma série de tópicos dos estudos lingüísticos. Foi o que fez a Fuvest nesta questão da primeira fase da prova de 2004:
"Transpondo-se corretamente para a voz ativa a oração "para serem instruídos por um astrônomo", obtém-se: a) para que sejam instruídos por um astrônomo; b) para um astrônomo os instruírem; c) para que um astrônomo lhes instruíssem; d) para um astrônomo instruí-los; e) para que fossem instruídos por um astrônomo". No texto ("Retalhos Cósmicos", de Marcelo Gleiser), o sujeito da locução verbal "serem instruídos" é "grupos de pessoas".
Se a banca pede ao aluno que transponha a frase para a voz ativa, supõe-se que ela esteja na passiva, o que se comprova de imediato pela estrutura verbal empregada (verbo "ser" + particípio -"serem instruídos"). Por aí o aluno atento já elimina as alternativas "a" e "e", em que os verbos continuam na voz passiva. Nelas, ainda se verifica o emprego da estrutura "verbo "ser" + particípio", típica da voz passiva.
No texto original, o verbo "ser" apresenta-se no infinitivo pessoal ("serem"); na alternativa "a", o verbo está no presente do subjuntivo ("sejam"); na "e", no imperfeito do subjuntivo ("fossem"). De qualquer maneira, as duas frases continuam na passiva. Nelas, o sujeito ("grupos de pessoas") continua funcionando como alvo do processo expresso pelo verbo.
E como ficam as outras três alternativas, que apresentam (todas) estrutura ativa? O que as diferencia? É aí que entra a visão ampla do candidato. De início, é preciso notar que na voz ativa o sujeito será "um astrônomo", o que imediatamente exclui duas das três alternativas restantes ("b" e "c"), já que nelas o verbo está no plural ("instruírem" e "instruíssem", respectivamente).
A proximidade do verbo com os pronomes "os" (alternativa "b") e "lhes" (alternativa "c") pode induzir o aluno a optar pela flexão do verbo no plural. Esse fato é constantemente explorado pelos vestibulares, em questões que abordam frases como "O nível dos rios subiram" ou "O preço dos aluguéis nas áreas nobres dispararam", em que se nota a (inadequada) concordância do verbo com o termo mais próximo.
A esta altura, o leitor já concluiu que a resposta só pode ser "d", mas não custa observar pelo menos outro detalhe da questão: o emprego dos pronomes "os" (alternativa "b") e "lhes" (alternativa "c"). O enunciado da banca da USP fala em transpor "corretamente", o que (para arrepio de alguns) pressupõe entender "corretamente" como algo equivalente a "de acordo com a norma culta" (ou coisa que o valha).
Pois bem. Na língua padrão, os pronomes oblíquos "lhe" e "lhes" não complementam verbos transitivos que não regem preposição, ou seja, verbos transitivos diretos. É esse o caso de "instruir" (se alguém instrui, instrui alguém, e não "a" alguém). Em outras palavras, construções como "Um astrônomo lhes instrui" não ocorrem na norma culta da língua.
Como se vê, o que parecia ser uma simples questão de transposição de voz verbal na verdade aborda o conhecimento de concordância, pronomes etc. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
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