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PASQUALE CIPRO NETO
Mais do que parece ser
Muitos dos vestibulares de hoje elaboram
questões que aparentemente tratam de apenas um assunto, mas,
na verdade, exigem que o candidato demonstre amplo conhecimento de uma série de tópicos dos
estudos lingüísticos. Foi o que fez
a Fuvest nesta questão da primeira fase da prova de 2004:
"Transpondo-se corretamente
para a voz ativa a oração "para
serem instruídos por um astrônomo", obtém-se: a) para que sejam
instruídos por um astrônomo; b)
para um astrônomo os instruírem; c) para que um astrônomo
lhes instruíssem; d) para um astrônomo instruí-los; e) para que
fossem instruídos por um astrônomo". No texto ("Retalhos Cósmicos", de Marcelo Gleiser), o sujeito da locução verbal "serem
instruídos" é "grupos de pessoas".
Se a banca pede ao aluno que
transponha a frase para a voz ativa, supõe-se que ela esteja na passiva, o que se comprova de imediato pela estrutura verbal empregada (verbo "ser" + particípio
-"serem instruídos"). Por aí o
aluno atento já elimina as alternativas "a" e "e", em que os verbos continuam na voz passiva.
Nelas, ainda se verifica o emprego
da estrutura "verbo "ser" + particípio", típica da voz passiva.
No texto original, o verbo "ser"
apresenta-se no infinitivo pessoal
("serem"); na alternativa "a", o
verbo está no presente do subjuntivo ("sejam"); na "e", no imperfeito do subjuntivo ("fossem"). De
qualquer maneira, as duas frases
continuam na passiva. Nelas, o
sujeito ("grupos de pessoas") continua funcionando como alvo do
processo expresso pelo verbo.
E como ficam as outras três alternativas, que apresentam (todas) estrutura ativa? O que as diferencia? É aí que entra a visão
ampla do candidato. De início, é
preciso notar que na voz ativa o
sujeito será "um astrônomo", o
que imediatamente exclui duas
das três alternativas restantes
("b" e "c"), já que nelas o verbo está no plural ("instruírem" e "instruíssem", respectivamente).
A proximidade do verbo com os
pronomes "os" (alternativa "b") e
"lhes" (alternativa "c") pode induzir o aluno a optar pela flexão
do verbo no plural. Esse fato é
constantemente explorado pelos
vestibulares, em questões que
abordam frases como "O nível
dos rios subiram" ou "O preço dos
aluguéis nas áreas nobres dispararam", em que se nota a (inadequada) concordância do verbo
com o termo mais próximo.
A esta altura, o leitor já concluiu que a resposta só pode ser
"d", mas não custa observar pelo
menos outro detalhe da questão:
o emprego dos pronomes "os" (alternativa "b") e "lhes" (alternativa "c"). O enunciado da banca da
USP fala em transpor "corretamente", o que (para arrepio de alguns) pressupõe entender "corretamente" como algo equivalente
a "de acordo com a norma culta"
(ou coisa que o valha).
Pois bem. Na língua padrão, os
pronomes oblíquos "lhe" e "lhes"
não complementam verbos transitivos que não regem preposição,
ou seja, verbos transitivos diretos.
É esse o caso de "instruir" (se alguém instrui, instrui alguém, e
não "a" alguém). Em outras palavras, construções como "Um astrônomo lhes instrui" não ocorrem na norma culta da língua.
Como se vê, o que parecia ser
uma simples questão de transposição de voz verbal na verdade
aborda o conhecimento de concordância, pronomes etc. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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