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RUBEM ALVES
Livros pra serem furtados...
O roubo é um estímulo poderoso. Santo Agostinho roubava pêras do vizinho
só pelo prazer de roubar
MEU PENSAMENTO vagabundeava enquanto eu via as figuras de um livro. Foi então que me apareceu uma idéia que
nunca tinha visto. Pedagógica. Ela
me veio quando me lembrei de uma
estória que me contaram.
O agente do governo, desses encarregados de ir pelos campos visitando pequenos sitiantes para dizer-lhes das últimas maravilhas da ciência para assim melhorar suas colheitas e animais, estava desanimado.
Visitava sitiantes, conversava, bebia
café aguado e doce, contava sobre os
porcos melhores que eles poderiam
criar, ninguém discordava, mas ninguém fazia nada. Continuavam a
criar os porquinhos caruncho, mirrados. Desanimado, ele contou sua
tristeza para um velho sábio. E foi isso que ele lhe disse:
"O senhor está usando a pedagogia
errada. O povo daqui sabe que ninguém faz nada de graça. São delicados. Não contestam. O senhor fala,
eles prestam atenção mas ficam
pensando: "O que é que o doutor
quer tirar da gente?" O meu conselho
é: Pare de visitar e aconselhar. É inútil. Compre uma chacrinha. Cerque
com arame farpado, seis fios. E escreva: "Entrada proibida". Aí eles vão
perguntar: "O que é que o doutor está
escondendo da gente? O que é que a
gente pode roubar dele?" Aí, de noite,
eles vão assuntar. Vão ver seus porcos grandes e gordos... Agora são eles
que vão visitar o senhor. Conversa
vai, conversa vem, café com rosquinha, no final eles vão dizer: "Bonita a
porcaiada sua. Sadia, grande, gorda..." Então, aos pouquinhos, como
quem não quer nada, o senhor vai
educando eles..."
Pensei que a filosofia do sábio matuto pode ser aplicada na educação.
O roubo é um estímulo poderoso.
Santo Agostinho roubava pêras do
vizinho só pelo prazer de roubar. Eu
mesmo roubei pitangas e, para realizar meu furto, inventei uma maquineta de roubar pitangas. Meu desejo
de roubar me fez pensar.
Todo pai, mãe e professora fica
atormentando as crianças e adolescentes para ler. Comportam-se como o agente do governo tentando
ensinar os caipiras. Mas eles não
querem ler. Ler é chato.
Livro que se deseja ler são os livros
proibidos: precisam ser roubados.
Era assim quando eu era pequeno. A
gente roubava o livro proibido e ia
atrás das passagens mais escabrosas.
Conselho para o pai: compre um
livro engraçado e se ponha a ler na
presença do filho, durante o "Jornal
Nacional". Quando chegar uma passagem engraçada ria, ria muito alto.
O menino vai perguntar: "Pai, por
que é que você está rindo?" "É esse
livro aqui, meu filho." "O que é tão
engraçado?" "Agora não posso explicar. Não posso interromper a leitura..." O menino fica intrigado. Seu
pai está tendo um prazer que ele não
tem. Aí o pai leva o livro para o quarto e o deixa sobre o criado mundo. O
menino vai lá assuntar...
Sugiro alguns livros para esse
exercício de roubo. As aventuras de
Asterix e seu companheiro gordão,
Obelix. As tirinhas do Calvin. Ah!
Como as crianças e os adolescentes
vão se identificar com o que o Calvin
sente e pensa sobre a escola e a professora!
Antes de dormir estou me divertindo lendo o livro completo das tirinhas da Mafalda. A figura de que
mais gosto é o Manolito, cabelo escovinha, burro, filho de um dono de
armazém. Só pensa em ganhar dinheiro. Dá balas para os amigos e depois cobra. Quando o vejo lembro-me do patrão do Fernando Pessoa, o
Vasquez. Só largo o livro quando as
pálpebras não mais agüentam.
Se um livro não provocar o desejo
de roubo não merece ser lido.
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