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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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VESTIBULAR

Universidade teme fracasso da iniciativa se não houver apoio a alunos negros e de escolas públicas

Cotas podem ser desastrosas, diz Uerj

ANTÔNIO GOIS
SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

A entrada na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) de alunos negros, pardos e de escolas públicas, aprovados no vestibular deste ano pelo sistema de cotas, pode ser "desastrosa" se a universidade não criar uma estrutura que dê condições a esses estudantes de se manter financeiramente ao longo do curso e de acompanhar, no mesmo nível dos demais calouros, as aulas nos primeiros anos.
O diagnóstico acima foi feito por uma comissão da própria universidade -da qual participaram também representantes de cursos pré-vestibulares comunitários-, criada pela reitoria para apresentar propostas para receber os novos estudantes.
Segundo o mesmo documento, a criação de uma estrutura adequada geraria um custo extra para a universidade de R$ 12,7 milhões neste ano -valor que teria de ser bancado pelo Estado. Em 2002, o governo teve um rombo de R$ 1,8 bilhão em suas contas.
A Uerj foi a primeira universidade pública de grande porte no Brasil a utilizar no seu vestibular um critério de cotas raciais e que leva em conta a origem do estudante no processo de seleção.
A lei das cotas foi aprovada em 2001.
"Há uma expectativa da comunidade acadêmica e das entidades que representam os pré-vestibulares comunitários de que o impacto da lei de reserva de vagas será desastroso, se não houver um esforço imediato com o objetivo de criar políticas e atitudes concretas de permanência para os alunos que ingressarão na universidade", afirma o documento.
O temor dos integrantes da comissão é que, após o vestibular, "o estudante carente não tenha condições de manter seus estudos por falta de recursos para transporte, alimentação, material escolar e por precisar de um tratamento diferenciado na questão da inserção acadêmica".
Para impedir que isso aconteça, a Uerj fez o projeto de um programa que prevê ampliação da política de bolsas e de apoio ao estudante carente. O documento prevê também a criação de disciplinas que seriam ministradas em aulas extras, abertas a todos os estudantes que apresentarem dificuldade para acompanhar o ritmo das aulas.
Como já era previsto, a nota de corte do vestibular da Uerj para os estudantes que se beneficiaram de algum tipo de cota foi inferior à dos demais alunos.
A maior disparidade ocorreu no curso de odontologia, onde a menor pontuação obtida por um aluno aprovado no vestibular tradicional foi de 77,5, sobre um total de 100, contra uma nota de apenas 6,25 do último colocado classificado por algum critério de cota.
Apesar da situação financeira do Estado, a reitora da Uerj, Nilcéa Freire, diz acreditar que há boa vontade do governo para liberar esses recursos. As cotas foram aprovadas na gestão do ex-governador Anthony Garotinho (PSB), marido da atual governadora, Rosinha Matheus (PSB).
"Se esse apoio ao estudante carente não acontecer, o desastre da iniciativa será iminente", afirma o frei Davi Santos, coordenador da Educafro, organização não-governamental que organiza cursos pré-vestibulares para estudantes negros e carentes.
O secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, Fernando Peregrino, diz acreditar que será possível liberar os recursos que a Uerj pede. Ele quer, no entanto, que o Ministério da Educação arque com parte dos custos.
"Estamos negociando essa questão. A governadora está empenhada em resolver o problema junto com o governo federal. Vou sugerir que os custos adicionais desse projeto sejam divididos com o Ministério da Educação, já que a experiência das cotas também consta do programa do governo federal", disse Peregrino.

Discriminação

Além de se preocupar com a ajuda financeira aos estudantes carentes, a Uerj discutiu como evitar o racismo na universidade.
Especialistas citam a formação de castas como um dos problemas a serem evitados. "Se os alunos que entrarem por cotas ficarem em turmas diferentes dos demais, isso vai criar castas na universidade", afirma Paulo Gomes, ex-reitor da UFRJ e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.
A reitora da Uerj afirma que a instituição já se preparou para evitar isso.
"O programa de apoio aos estudantes que entrarão neste ano na universidade prevê a criação de disciplinas de reforço que serão realizadas fora da carga horária do curso. Justamente para não caracterizar essa iniciativa como um cursinho para negros ou alunos da rede pública, fizemos questão que ele fosse oferecido a qualquer estudante que precisar de reforço", diz a reitora.

Preparo

Para o ex-reitor da Uerj Antônio Celso Pereira, as universidades não estão preparadas para oferecer cursos de adaptação, aulas de reforço e ajuda financeira a alunos oriundos do sistema de cotas.
"Sem isso, as cotas não valem de nada, pois permitem aos alunos que eles entrem, mas não dão condições para que permaneçam na universidade", afirma.
O preconceito também o preocupa. O ex-reitor diz que seria "tapar o sol com a peneira" pensar que os novos alunos não serão vistos de forma discriminatória.


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