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VESTIBULAR
Universidade teme fracasso da iniciativa se não houver apoio a alunos negros e de escolas públicas
Cotas podem ser desastrosas, diz Uerj
ANTÔNIO GOIS
SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO
A entrada na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
de alunos negros, pardos e de escolas públicas, aprovados no vestibular deste ano pelo sistema de
cotas, pode ser "desastrosa" se a
universidade não criar uma estrutura que dê condições a esses estudantes de se manter financeiramente ao longo do curso e de
acompanhar, no mesmo nível dos
demais calouros, as aulas nos primeiros anos.
O diagnóstico acima foi feito
por uma comissão da própria
universidade -da qual participaram também representantes de
cursos pré-vestibulares comunitários-, criada pela reitoria para
apresentar propostas para receber os novos estudantes.
Segundo o mesmo documento,
a criação de uma estrutura adequada geraria um custo extra para
a universidade de R$ 12,7 milhões
neste ano -valor que teria de ser
bancado pelo Estado. Em 2002, o
governo teve um rombo de R$ 1,8
bilhão em suas contas.
A Uerj foi a primeira universidade pública de grande porte no
Brasil a utilizar no seu vestibular
um critério de cotas raciais e que
leva em conta a origem do estudante no processo de seleção.
A lei das cotas foi aprovada em
2001.
"Há uma expectativa da comunidade acadêmica e das entidades
que representam os pré-vestibulares comunitários de que o impacto da lei de reserva de vagas será desastroso, se não houver um
esforço imediato com o objetivo
de criar políticas e atitudes concretas de permanência para os
alunos que ingressarão na universidade", afirma o documento.
O temor dos integrantes da comissão é que, após o vestibular, "o
estudante carente não tenha condições de manter seus estudos por
falta de recursos para transporte,
alimentação, material escolar e
por precisar de um tratamento diferenciado na questão da inserção
acadêmica".
Para impedir que isso aconteça,
a Uerj fez o projeto de um programa que prevê ampliação da política de bolsas e de apoio ao estudante carente. O documento prevê também a criação de disciplinas que seriam ministradas em
aulas extras, abertas a todos os estudantes que apresentarem dificuldade para acompanhar o ritmo das aulas.
Como já era previsto, a nota de
corte do vestibular da Uerj para os
estudantes que se beneficiaram de
algum tipo de cota foi inferior à
dos demais alunos.
A maior disparidade ocorreu no
curso de odontologia, onde a menor pontuação obtida por um aluno aprovado no vestibular tradicional foi de 77,5, sobre um total
de 100, contra uma nota de apenas
6,25 do último colocado classificado por algum critério de cota.
Apesar da situação financeira
do Estado, a reitora da Uerj, Nilcéa Freire, diz acreditar que há
boa vontade do governo para liberar esses recursos. As cotas foram aprovadas na gestão do ex-governador Anthony Garotinho
(PSB), marido da atual governadora, Rosinha Matheus (PSB).
"Se esse apoio ao estudante carente não acontecer, o desastre da
iniciativa será iminente", afirma o
frei Davi Santos, coordenador da
Educafro, organização não-governamental que organiza cursos
pré-vestibulares para estudantes
negros e carentes.
O secretário de Ciência e Tecnologia do Estado, Fernando Peregrino, diz acreditar que será possível liberar os recursos que a Uerj
pede. Ele quer, no entanto, que o
Ministério da Educação arque
com parte dos custos.
"Estamos negociando essa
questão. A governadora está empenhada em resolver o problema
junto com o governo federal. Vou
sugerir que os custos adicionais
desse projeto sejam divididos
com o Ministério da Educação, já
que a experiência das cotas também consta do programa do governo federal", disse Peregrino.
Discriminação
Além de se preocupar com a
ajuda financeira aos estudantes
carentes, a Uerj discutiu como
evitar o racismo na universidade.
Especialistas citam a formação
de castas como um dos problemas a serem evitados. "Se os alunos que entrarem por cotas ficarem em turmas diferentes dos demais, isso vai criar castas na universidade", afirma Paulo Gomes,
ex-reitor da UFRJ e presidente do
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.
A reitora da Uerj afirma que a
instituição já se preparou para
evitar isso.
"O programa de apoio aos estudantes que entrarão neste ano na
universidade prevê a criação de
disciplinas de reforço que serão
realizadas fora da carga horária
do curso. Justamente para não caracterizar essa iniciativa como um
cursinho para negros ou alunos
da rede pública, fizemos questão
que ele fosse oferecido a qualquer
estudante que precisar de reforço", diz a reitora.
Preparo
Para o ex-reitor da Uerj Antônio
Celso Pereira, as universidades
não estão preparadas para oferecer cursos de adaptação, aulas de
reforço e ajuda financeira a alunos oriundos do sistema de cotas.
"Sem isso, as cotas não valem de
nada, pois permitem aos alunos
que eles entrem, mas não dão
condições para que permaneçam
na universidade", afirma.
O preconceito também o preocupa. O ex-reitor diz que seria "tapar o sol com a peneira" pensar
que os novos alunos não serão
vistos de forma discriminatória.
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