São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2006

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VIOLÊNCIA

Alencar e Forças Armadas temem vítimas civis, mas apóiam a operação no Rio; militares querem forçar tráfico a achar armas

Para governo, ação do Exército é de alto risco

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

O presidente interino da República e ministro da Defesa, José Alencar, classificou a operação do Exército nas favelas do Rio como de "alto risco", ontem, em conversas reservadas. O grande temor dele e do restante do governo e das próprias Forças Armadas é que haja vítimas civis, principalmente mulheres e crianças.
Apesar do risco, o governo apóia a ação -considerada no Exército uma "guerra de resistência" ou uma "guerra de nervos" com a cúpula do tráfico de drogas no Rio. Ao ameaçar só sair das favelas após reaver as armas roubadas de um quartel, a intenção é pressionar o comando dos traficantes a devolver as armas para se livrar do cerco rapidamente.
Há a suspeita, no Comando do Exército, de que as armas não estejam mais nos morros e até de que não tenham sido roubadas pelo tráfico organizado, mas sim por bandidos comuns. A pressão da Força, portanto, seria para que os próprios chefes do tráfico tratassem de descobrir os autores, recuperassem as armas e encerrassem assim a operação militar.
A suspeita de participação de bandidos comuns se baseia em duas avaliações:
1) o tráfico sabia que, ao roubar quartéis, atrairia as tropas e abriria uma guerra muito mais pesada do que a que está habituado;
2) se tivesse sido, de fato, um ato dos traficantes, eles já teriam entregue as armas para se livrar dos soldados e do cerco.
Como parte dessa "guerra de resistência", o Exército fechou as principais portas de entrada das favelas, inclusive a nevrálgica via Dutra, para, como foi descrito à Folha, "desidratar as fontes de recursos do tráfico". Ou seja, impedir o trânsito de drogas entre fornecedores, traficantes e usuários.
A idéia é cercar o tráfico em dois sentidos: o físico, geográfico, e o financeiro -sem drogas, não há dinheiro. Até que as armas apareçam. Caso contrário, o próprio Exército admite que a situação ficará delicada, pois não teria como justificar uma retirada de mãos abanando. Seria desmoralizante.
A operação no Rio foi de risco, mas não repentina. Na verdade, vem sendo preparada há anos e apenas esperava um "momento certo", uma justificativa consistente e que atraísse a aprovação e simpatia da sociedade.
Na avaliação do governo federal e das Forças Armadas, a participação do Exército é bem aceita entre os cariocas, mas era preciso vencer resistências em áreas de fora do Estado, especialmente na área acadêmica e entre os chamados "formadores de opinião".
A ousadia dos bandidos, sejam ou não líderes do tráfico, de entrar num quartel e roubar o Exército foi o estopim que a Força Armada esperava. "É inadmissível", ouviu a Folha de mais de um oficial ao longo da semana.
A preparação da ação estava, inclusive, nos cálculos e planos estratégicos do próprio envio de soldados para o Haiti, onde o Brasil comanda a força de paz da ONU. Entre outros objetivos, está o de "treinamento" para atuar em conflitos envolvendo civis, como é o típico caso do Rio.
Oficiais têm destacado as diferenças entre as favelas do Rio e do Haiti. Enquanto as cariocas são controladas pelo tráfico, altamente armado e rico, as haitianas são habitadas por bandidos comuns, geralmente pobres e desarmados (ou mal armados). No Rio, são organizados. Lá, apenas gangues.


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