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VIOLÊNCIA
Alencar e Forças Armadas temem vítimas civis, mas apóiam a operação no Rio; militares querem forçar tráfico a achar armas
Para governo, ação do Exército é de alto risco
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
O presidente interino da República e ministro da Defesa, José
Alencar, classificou a operação do
Exército nas favelas do Rio como
de "alto risco", ontem, em conversas reservadas. O grande temor dele e do restante do governo
e das próprias Forças Armadas é
que haja vítimas civis, principalmente mulheres e crianças.
Apesar do risco, o governo
apóia a ação -considerada no
Exército uma "guerra de resistência" ou uma "guerra de nervos"
com a cúpula do tráfico de drogas
no Rio. Ao ameaçar só sair das favelas após reaver as armas roubadas de um quartel, a intenção é
pressionar o comando dos traficantes a devolver as armas para se
livrar do cerco rapidamente.
Há a suspeita, no Comando do
Exército, de que as armas não estejam mais nos morros e até de
que não tenham sido roubadas
pelo tráfico organizado, mas sim
por bandidos comuns. A pressão
da Força, portanto, seria para que
os próprios chefes do tráfico tratassem de descobrir os autores,
recuperassem as armas e encerrassem assim a operação militar.
A suspeita de participação de
bandidos comuns se baseia em
duas avaliações:
1) o tráfico sabia que, ao roubar
quartéis, atrairia as tropas e abriria uma guerra muito mais pesada do que a que está habituado;
2) se tivesse sido, de fato, um ato
dos traficantes, eles já teriam entregue as armas para se livrar dos
soldados e do cerco.
Como parte dessa "guerra de resistência", o Exército fechou as
principais portas de entrada das
favelas, inclusive a nevrálgica via
Dutra, para, como foi descrito à
Folha, "desidratar as fontes de recursos do tráfico". Ou seja, impedir o trânsito de drogas entre fornecedores, traficantes e usuários.
A idéia é cercar o tráfico em dois
sentidos: o físico, geográfico, e o
financeiro -sem drogas, não há
dinheiro. Até que as armas apareçam. Caso contrário, o próprio
Exército admite que a situação ficará delicada, pois não teria como
justificar uma retirada de mãos
abanando. Seria desmoralizante.
A operação no Rio foi de risco,
mas não repentina. Na verdade,
vem sendo preparada há anos e
apenas esperava um "momento
certo", uma justificativa consistente e que atraísse a aprovação e
simpatia da sociedade.
Na avaliação do governo federal
e das Forças Armadas, a participação do Exército é bem aceita
entre os cariocas, mas era preciso
vencer resistências em áreas de
fora do Estado, especialmente na
área acadêmica e entre os chamados "formadores de opinião".
A ousadia dos bandidos, sejam
ou não líderes do tráfico, de entrar
num quartel e roubar o Exército
foi o estopim que a Força Armada
esperava. "É inadmissível", ouviu
a Folha de mais de um oficial ao
longo da semana.
A preparação da ação estava, inclusive, nos cálculos e planos estratégicos do próprio envio de
soldados para o Haiti, onde o Brasil comanda a força de paz da
ONU. Entre outros objetivos, está
o de "treinamento" para atuar em
conflitos envolvendo civis, como
é o típico caso do Rio.
Oficiais têm destacado as diferenças entre as favelas do Rio e do
Haiti. Enquanto as cariocas são
controladas pelo tráfico, altamente armado e rico, as haitianas são
habitadas por bandidos comuns,
geralmente pobres e desarmados
(ou mal armados). No Rio, são organizados. Lá, apenas gangues.
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