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Sociedade pressiona Exército a ter papel de polícia, diz pesquisadora
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O papel de polícia, que parte da
sociedade carioca deseja ver assumido pelo Exército no momento
em que ele ocupa oito morros do
Rio, não é adequado nem agrada
à elite militar.
Essa é a opinião da cientista política e pesquisadora do Centro de
Pesquisa e Documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas
Maria Celina D'Araújo, autora de
vários estudos e livros sobre a
atuação dos militares na ditadura
e nos períodos de democracia.
Para ela, o Exército assumiu um
risco ao dar essa demonstração de
força porque se lançou numa empreitada que, até o momento, não
tem definição clara de quanto
tempo vai durar.
A cientista política diz que, após
a Constituição de 1988, as Forças
Armadas se adequaram a seu novo papel na sociedade, em que ficam subordinadas ao poder civil
democrático. Curiosamente uma
parte da sociedade e até dos governos pressionam hoje em dia os
militares a "abusar de seu poder"
e assumir uma função que, dentro
do texto constitucional, cabe
atualmente à polícia. Veja trechos
de sua entrevista à Folha:
Folha - Que conseqüências pode
ter essa ocupação do Exército em
favelas cariocas?
Maria Celina D'Araújo - Pelo que
sei, os militares estão nos morros
em função de um mandado judicial de busca e apreensão. É uma
demonstração de força aos ladrões. Não sei por quanto tempo
eles poderão ficar nas ruas e qual a
abrangência desse mandado, mas
fazer isso é uma responsabilidade
muito grande. Todas as vezes em
que eles saíram, acabaram respondendo por abusos de poder. É
um risco alto.
Folha - Parte da sociedade carioca pressiona o Exército a ficar mais
tempo no combate ao tráfico. A senhora concorda com essa pressão?
D'Araújo - A questão da violência não se resolve com armamento ostensivo, mas com políticas de
prevenção e de cumprimento da
lei. A gente precisa ficar muito
atento porque cada instituição
tem seu papel numa sociedade
democrática. Um jornalista não
pode fazer uma sentença, porque
isso cabe a um juiz. Da mesma
forma, as Forças Armadas também têm sua função, e a gente
precisa respeitar a lei.
Folha - Os militares estão querendo abusar de seu poder?
D'Araújo - Não acho que eles
queiram abusar desse poder. Eu
acho que é a sociedade que tenta
obrigá-los a fazer isso, além de
uma parcela dos políticos e dos
governos. Mas isso [exercer o papel que cabe à polícia] não é missão militar.
A subordinação dos militares ao
poder civil faz parte de um processo de democratização do Brasil. Esse avanço, no entanto, aconteceu num momento delicado,
em que houve a expansão do crime organizado em todo o mundo.
Se, por um lado, a sociedade
quer manter as Forças Armadas
como um braço do Estado democrático, por outro, querem também mais segurança por causa da
ação desafiadora do tráfico de
drogas. Essa demanda por segurança tem levado várias pessoas a
acharem que a saída está na força
dos militares. Há ainda uma pressão forte dos Estados Unidos para
que os exércitos latino-americanos atuem no combate direto ao
narcotráfico. No entanto, a elite
militar não deseja esse papel de
atuar como polícia.
Folha - Por que eles resistem a assumir essa função?
D'Araújo - Os militares sabem a
partir da experiência de outros
países que há sempre o risco de
contágio quando eles passam a
combater o narcotráfico. Isso já
aconteceu na Bolívia e no Paraguai. As Forças Armadas são
compostas por pessoas normais, e
o contato com o narcotráfico tem
um lado sedutor já que envolve
muito dinheiro. A contaminação
é sempre uma possibilidade.
Além disso, eles sabem que isso
é um desvio de função. Há funções que são específicas dos militares. Eles lidam com armamento
pesado e têm treinamento de
guerra, para defesa do Estado
contra ameaças externas. Em outras palavras, os exércitos são máquinas de matar. A questão da
violência urbana, no entanto, não
se resolve com armamento.
Folha - Mas, se não há ameaças
externas, por que não treinar os
militares para outras funções?
D'Araújo - Esse é um argumento
muito sedutor, mas que não resiste a uma reflexão maior. Eu costumo dizer que Exército é como plano de saúde. Você tem que pagar,
mas torce para não usar. Não é à
toa que praticamente todos os
países do mundo mantêm um
Exército treinado.
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