São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Com eleição na Espanha, brasileiros perdem

Votação de hoje deve ser ruim para quem quer emigrar: na melhor das hipóteses, se Zapatero vencer, situação ficará na mesma

No pior cenário, com a vitória de Mariano Rajoy (do conservador Partido Popular), repatriações devem aumentar no país

Raimundo Paccó - 7.mar.2007/Folha Imagem
Brasileiros na manhã da última sexta-feira no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, depois de terem sido barrados na Espanha

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

A manicure brasileira Eliane (sobrenome preservado a pedido) cobra 15 euros (quase R$ 39) para fazer mãos e pés, trabalha em geral da manhã à noite sem parar, sem fim de semana, carregando para um lado a outro de Madri sua pesada maleta com os utensílios.
Um dado dia, uma de suas clientes lhe perguntou: "Vale a pena continuar por aqui?"
Ela respondeu: "Vale, porque não quero morrer em uma maca num corredor de hospital. Aqui não corro esse risco".
A resposta dela vale por todo um compêndio a respeito da emigração de brasileiros, não só para a Espanha, mas para incontáveis países do mundo.
Confirma Duval Fernandes, professor do programa de pós-graduação em geografia da PUC de Minas Gerais, após entrevistar 404 brasileiros na capital espanhola, entre março e julho de 2007, para uma pesquisa ainda a ser publicada:
"A mais alegada razão para emigrar foi a busca por melhores condições de vida".
No caso da Espanha, onde há hoje eleições, não dá para dizer quem ganhará, mas já é possível saber quem perde: brasileiros com intenções de emigrar.
Se ganhar o candidato da oposição, Mariano Rajoy (do conservador Partido Popular), valerá uma frase que se tornou um dos "hits" da campanha, no quesito imigração: "No cabemos todos" (espanhóis e imigrantes).
Se for reeleito o presidente do governo, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, na melhor das hipóteses se manterá a situação atual, cheia de obstáculos. Na pior, mais repatriações: "Sempre que tivermos ilegais, vamos repatriá-los", disse ao jornal "El País".
Claro que tanto Zapatero como Rajoy estão falando de imigrantes ilegais -caso de Eliane. Mas também para os que podem obter a legalização (com contrato de trabalho), as perspectivas não são brilhantes.
Na maioria dos casos, os brasileiros que vêm para Madri trabalham na construção civil.
Acontece que o estouro da bolha imobiliária que fora o motor do crescimento espanhol nos últimos anos levou a uma crise no setor. As grandes imobiliárias construirão 72% menos apartamentos do que no ano passado, com o que cerca de 1,1 milhão de trabalhadores não encontrarão emprego.
"Justo agora que eu estava começando a me estabilizar", lamenta Mário Luiz dos Santos, ainda empregado, feliz mesmo ganhando menos do que a média de 1.100 euros (R$ 2.800) que o pesquisador da PUC-MG constatou em suas entrevistas.
Os R$ 2.800 parecem uma fortuna em se considerando o nível dos salários no Brasil. Mas é pouco na Espanha.
Se é pouco ou muito, não importa. Vale mais a perspectiva de um hospital (público) em que não se corra o risco de morrer em uma maca no corredor, como diz a manicure Eliane.
Para ter a possibilidade de aceder ao serviço público de saúde basta "empadronarse", palavra mágica no vocabulário do imigrante. Significa registrar-se junto às autoridades, passo que já foi dado por cerca de 70 mil brasileiros, segundo os dados não tão recentes fornecidos ao consulado do Brasil.
"Dá direito à carteira de saúde e a educação gratuita", diz Fabiana Maria Gama Pereira, pernambucana de 34 anos, que trocou mestrado em antropologia pela presidência da AHBAI (Associação Hispano-Brasileira de Apoio ao Imigrante).
Para empadronarse nem é preciso estar em situação legal. Basta apresentar um certificado de residência. Mas nem isso é tão simples. A maioria dos proprietários de imóveis não aluga um apartamento, mas um cômodo, no qual dormem várias pessoas.
É o que se chama de "cama caliente". O modelo é assim descrito por outro pesquisador brasileiro que estudou a imigração, Leonardo Cavalcanti, doutor em Antropologia pela Universidade de Salamanca:
"Trata-se de uma cama dividida por duas pessoas com horários invertidos. Enquanto um trabalha o outro dorme. Por isso, a cama fica "caliente".
"A impressão que tenho é que vários foram na busca de um eldorado e não é isto o que encontram. Vão dividir apartamento, coisa que não faziam no Brasil, aceitam qualquer trabalho e ficam sonhando em voltar e mostrar os frutos do sucesso", disse Duval Fernandes.


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