São Paulo, quinta-feira, 09 de abril de 2009

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PASQUALE CIPRO NETO

Por falar em "mais-que-perfeito"...


Só nos cabe engolir que a regra é que não há regra clara; é preciso decorar as exceções e ter o "Volp" à mão

NA SEMANA PASSADA, analisei uma questão da última prova da Unifesp, que exigia do candidato o conhecimento do(s) valor(es) de alguns tempos verbais. O protagonista do teste era o pretérito mais-que-perfeito do indicativo.
Pois bem. Levados pela verdadeira salada "hifênica" que foi servida aos brasileiros pela reforma ortográfica (sim, reforma, e não acordo ortográfico, já que, por enquanto, isso tudo não passa mesmo de uma reforma ortográfica -exclusivamente brasileira, visto que os demais países lusófonos ainda não a adotaram), vários leitores escreveram para perguntar sobre os hifens (ou hífenes) de "mais-que-perfeito". "O hífen não caiu em locuções desse tipo?".
É melhor ir logo ao ponto, digo, ao texto oficial do acordo, digo, reforma, que, no sexto item de sua base XV ("Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares"), perpetra esta claríssima resolução: "Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo (sic) algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colônia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa). Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções...".
Vou poupar o prezado leitor dos tais exemplos, quase todos mais do que inúteis, já que quase todas as expressões listadas jamais foram escritas com hífen. Está bem, vou dar umazinha só: "apesar de". Alguém já pensou em escrever isso com hífen? Então para que pôr isso no texto oficial? E qual foi o critério para estabelecer que "pé de moleque" (doce), "mula sem cabeça" (figura do folclore brasileiro), "água de coco" e "água de cheiro" (que se escreviam com hífen) não são casos "consagrados pelo uso"?
Outra falta de nexo no texto oficial se vê no primeiro item da mesma base XV. Nele se fala do hífen em palavras compostas. A coisa começa bem (mantém-se o hífen em compostos como "segunda-feira", "arco-íris", "decreto-lei", "luso-brasileiro", "guarda-chuva", "sul-africano", "mato-grossense" etc.), mas, quando se chega à observação que encerra esse item, encontra-se esta ressalva: "Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista etc.". O leitor leu bem as expressões "certos compostos" e "em certa medida"? E o mais do que abominável "etc."? Que significa isso?
Quando se lê essa ressalva (redigida com precisão inigualável), o mínimo que se pode fazer é usar o velho método da analogia: se ("em certa medida") se perdeu a noção de composição em "paraquedas" (que se escrevia "pára-quedas"), também se perdeu essa noção em...
Pode parar, caro leitor. Em "para-choque", "para-raios" e "para-brisa", mantém-se o hífen. Pode? Não pode, mas... Mas só nos cabe engolir que a regra é que não há regra clara, que é preciso decorar as exceções e, sobretudo, que é mais do que preciso ter à mão o recém-lançado "Vocabulário Ortográfico", para verificar que destino se deu a este ou àquele caso. É isso.

inculta@uol.com.br


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