São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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ENTREVISTA

Envelhecer não é sinônimo de estar doente, afirma médico

DA REPORTAGEM LOCAL

A regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Clínica Médica prepara um congresso totalmente voltado para saúde e "terceira idade" -a que começa aos 60 anos.
A idéia é acabar com o mito de que envelhecer é sinônimo de doença, afirma Abrão José Cury Júnior, 50, coordenador do encontro que deverá ocorrer em outubro em Santos.
Segundo cenário projetado pela Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), em 2025 a população nessa faixa etária aumentará 123,1% só na capital paulista, passando dos 2 milhões de pessoas. A seguir, trechos da entrevista realizada com Cury Júnior na sexta-feira.

 

Folha - Por que a escolha desse tema?
Abrão José Cury Júnior -
Definimos como tema central pela importância que vem ganhando. Há uma série de entendimentos que contemplam a terceira idade, e é cada vez mais importante o clínico estar atualizado. O entendimento é que terceira idade e doença andam de mãos dadas. Mas ter mais de 60 anos não significa estar doente. Não existe isso. Não é normal ter pressão alta, dores. O normal é não ter nada que comprometa a qualidade de vida.

Folha - Qual é a perspectiva?
Cury Júnior -
Há uma perspectiva de que a sobrevida seja cada vez maior. Em 1940, era de 50 anos. terminamos o século passado com 66 anos. Até a metade deste século, será de por volta de cem anos. Isso significa que teremos de nos confrontar com as doenças crônico-degenerativas, estas sim próprias da idade [demências e câncer, por exemplo]. Mas nem assim. Hoje dispomos de recursos terapêuticos melhores do que há 20 anos, caso, por exemplo, do tratamento de diabetes.

Folha - A que o senhor atribui esse entendimento errôneo, de que envelhecer significa suportar dores, por exemplo?
Cury Júnior -
Dentro de nossa comunidade, temos conceitos estereotipados. (...) Na década de 60, já existiam, mas também havia menos recursos de diagnóstico e tratamento. A sociedade entendia assim e os médicos também, justamente porque havia menos recursos. O problema é que a sociedade não se adaptou.

Folha - Quais os problemas que passam despercebidos, são considerados naturais da idade, mas não são.
Cury Júnior -
Os problemas da boca, por exemplo. As pessoas acham natural que faltem dentes, mas assim não se come bem. O idoso emagrece. Às vezes, também, não tratam problemas ósseos. Consideram normais as dores. Aí não podem sair, tomar sol. Também não tem porque ficar surdo. Aceitar isso significa levar um problema para o seio familiar. O volume da TV é alto, irrita. A pessoa não consegue interagir. Outra coisa importante é a acuidade visual. Se não for tratada, a chance de cair, de fraturar, é maior.

Folha - Conviver com esses problemas como se fossem normais pode levar a um quadro depressivo?
Cury Júnior
- Não só isso pode levar à depressão. Também não é normal deixar que a pessoa se isole. Imagine uma casa em que a relação é: "Oi, vô. Tchau, vô". Isso se o "vô" estiver no caminho. Não é normal. Também pode acabar deprimindo.
Precisamos de uma intervenção cultural. No meio ocidental, o idoso não existe. Até o governo pensa assim. Quem perde sempre são os aposentados. Cabe a todos nós mudarmos essa cultura. Em 20, 30, 40 anos, seremos nós.


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