São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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COMPORTAMENTO

Mulheres enfrentam obstáculos para circular com seus bebês pela cidade; metrô também oferece problema

Mães fazem "rally" de carrinho em calçadas e shoppings

LARISSA PURVINNI
DA REVISTA

Areia, pedras, buracos, trancos, solavancos, choro. Atravessar São Paulo conduzindo um carrinho de bebê é mais ou menos como enfrentar uma versão materna do Rally Paris-Dacar. Com a desvantagem de que, no deserto, não é necessário superar escadas, e o co-piloto não chora nem precisa ter as fraldas trocadas.
A frota de carrinhos de bebês circulando na cidade não é nada desprezível. Embora não haja um número oficial, calcula-se em até 200 mil ao ano as paulistanas que adquirem carrinhos e, assim como o 1,5 milhão de deficientes, descobrem quão complicada pode ser a locomoção sobre rodas.
"Para o fabricante de carrinhos de bebê, essa realidade é um desastre. Antes de maldizer a calçada, a tendência da mãe é culpar a empresa que fabrica o veículo", afirma Dárcio Leite Sanches, diretor da Infanti no Brasil. A indústria diz que teve de adaptar seus produtos ao terreno acidentado das calçadas latino-americanas, e seus modelos ganharam mecanismo de amortecimento especial e reforço em rebites e parafusos.
Mães de primeira viagem, sem muita prática, deixam seu zero quilômetro na "garagem" por um bom tempo. "No começo, tinha muito medo de assalto, seqüestro. Depois vem o problema das calçadas, o barulho dos carros", diz a psicóloga Helena Slywitch, 27, mãe de Clara, 7 meses.
O prédio de Helena tem rampa, item nem sempre presente nos imóveis mais antigos, cuja escadaria na entrada obriga a piloto e seu co-piloto a enfrentar degraus ou entrar pela garagem, brigando com rodas mais possantes.
Na calçada, a trepidação provocada pelas irregularidades até ajudam o bebê a pegar no sono. O problema é que um buraco um pouco maior pode enroscar a roda do carrinho e, com o solavanco, adeus sossego. "Além de a Clara acordar sobressaltada, também tinha medo de que aquela trepidação pudesse machucar o pescocinho", conta a psicóloga.
Não é o caso. Segundo o cirurgião pediátrico João Gilberto Maksoud Filho, presidente da ONG Criança Segura, dificilmente os solavancos causam algum dano ao bebê. O que sofre mesmo é a paciência da mãe. Para superar os obstáculos mais complicados é preciso ter força nos braços, já que o carrinho não pesa menos de 6 kg, sem somar os do passageiro e sua bagagem -até 20 kg.
Atravessar a rua transforma-se em uma pequena odisséia: carros na faixa, motoqueiros costurando e semáforos que têm só o tempo suficiente para desenganchar o carrinho. "Antes de sair, procuro conhecer o trajeto e o lugar aonde vou", diz Helena.
São Paulo tem hoje cerca de 15 mil calçadas rebaixadas. Para que a circulação fosse razoável, o ideal seriam entre 150 mil e 200 mil. Edison Passafaro, secretário-geral da Comissão Permanente de Acessibilidade, da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, diz que, até o final da gestão Marta, haverá 25 mil.

Aventura indoor
Para quem não se arrisca a andar pelas ruas, os shoppings são uma opção mais tranqüila -muitos até oferecem serviço de empréstimo de carrinho. A situação se complica na hora de mudar de andar. Sem muita paciência para aguardar os elevadores sempre cheios, muitas mães decidem encarar a escada rolante.
Mãe das gêmeas Catarina e Dora, de um ano, a apresentadora de TV Lorena Calábria já viveu a aventura. "Demorei quase um ano para levá-las ao shopping. No elevador nunca há espaço para dois carrinhos, então acabei indo pela escada."
Apesar de mais curto, o caminho é arriscado. Fabricantes e especialistas em segurança infantil alertam: a roda pode enroscar, travando a escada, ou a mãe pode soltar a alça acidentalmente e derrubar o carrinho.
O veto às escadas rolantes já consta do manual de algumas empresas, ao lado de recomendações como afivelar o cinto, travar as rodas em terrenos inclinados e jamais deixar a criança sozinha.

Metrô
Helena mora a apenas algumas quadras da estação de metrô Consolação, mas, por causa das dificuldades, nem considera o transporte público como opção. A convite da reportagem, ela aceitou pegar o metrô levando Clara.
Poucas mães sabem, mas a estrutura criada para usuários de cadeira de rodas está também à disposição das mães com carrinhos de bebê. Pegar esse elevador, contudo, é um pouco complicado para quem não está familiarizado. Em primeiro lugar, é preciso saber que ele fica afastado das entradas convencionais da estação e caminhar até a esquina da Paulista com Consolação.
Depois, é necessário apertar um botão que aciona o interfone; o funcionário só libera o elevador após uma longa rampa, ao saber qual a necessidade.
Para não sair sem pagar, é preciso comprar o bilhete e rodar a catraca ao sair da estação. Depois da experiência, Helena concluiu: "É um rally de verdade."


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