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129 transexuais esperam troca de sexo em hospital no Rio
Criado por urologista, programa de transexualização dura 2 anos e envolve ao menos cinco especialidades até chegar à cirurgia
Mantido pelo SUS, projeto surgiu em 2003, após uma cirurgia de transexualização ordenada pela Justiça
AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO
M. está tomando anabolizantes para engrossar a voz e ter
mais características masculinas. Tem apenas 21 anos, e algo
já está definido: nasceu mulher,
mas quer ser homem.
"Acho que a voz engrossou só
um pouquinho", diz ao urologista Eloísio Alexsandro, 39.
"Você deve abrir os ouvidos para as mudanças", ele responde.
M. conta que a família já o
chama pelo nome masculino, e
não pelo da certidão de nascimento. "Isso é muito bom", segue, atencioso, Alexsandro.
Ele atende 129 transexuais
inscritos num programa que
dura cerca de dois anos e tem a
cirurgia de transgenitalização
(tecnicamente, a mudança da
genitália) como ápice.
No programa, chamado Grupo de Atenção Integral à Saúde
das Pessoas que Vivenciam a
Transexualidade, M. é minoria.
Dos 129 pacientes, 116 querem
fazer a cirurgia para trocar o
pênis por uma neovagina.
Às quartas-feiras, das 8h às
13h, Alexsandro recebe os pacientes no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em Vila Isabel, zona norte do Rio, o mais
forte dos quatro centros (Rio,
SP, Goiânia e Porto Alegre) que
realizam o processo gratuitamente, pelo SUS, no país.
Às 11h, cabelos longos avermelhados, a longilínea J. entra
no ambulatório. Foi operada
em abril de 2009 e segue no
programa -Alexsandro faz
questão de saber se a nova genitália funciona bem, como vai a
vida sexual da paciente, se está
satisfeita com o resultado etc.
"Terminei com aquele, mas
já tô namorando outro, doutor!", conta J.. "Não contei que
sou trans. Disse que nasci hermafrodita e, por isso, meu nome na identidade é diferente."
O médico diz a ela que deve
dar entrada no processo para
mudar de nome e de gênero nos
documentos. "É difícil, mas não
vou desistir", diz ela.
J. é uma das 47 "trans" operadas primariamente (há outras
13 que passaram por correção
em cirurgias feitas fora dali) no
programa que Alexsandro
criou em 2003, após fazer a cirurgia de transexualização a
pedido judicial -uma "trans"
lutava pelo direito da operação
e conseguira naquele ano.
Processo holístico
Alexsandro liga para a namorada a fim de conferir em qual
novela da Globo houve personagem transexual. "As Filhas
da Mãe" (2001) teve Cláudia
Raia como Ramon -ou Ramona, depois da cirurgia.
O médico também lembra de
um caso na literatura. Em
"Grande Sertão: Veredas", de
Guimarães Rosa, Alexsandro
acredita que Diadorim, vestida
de homem para vingar uma
morte, remete à questão. No cinema, gosta de "Glen or Glenda" (1953), de Ed Wood.
O interesse multidisciplinar
é a base do programa de transexualização: antes da cirurgia, o
paciente é atendido por endocrinologistas, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais.
"O papel fundamental dos psicólogos é na saúde mental.
"Quando chega a mim, não
dá simplesmente para fazer a
cirurgia e devolver. Não é industrial. Tem que ouvir histórias, participar, saber o momento. A questão é mais profunda, holística."
Sua experiência permite avaliar as transformações das transexuais no país. "Hoje, a transexual brasileira é mais exigente.
Ela quer uma genitália que funcione, que permita usar um biquíni menor, que permita a depilaçãozinha tradicional brasileira. Tive que adaptar muita
coisa do que aprendi para a demanda das pacientes", conclui.
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