São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN

Procuram-se mulheres

Dona-de-casa virou, em São Paulo, profissão remunerada.
Num lance de marketing, o Grupo Pão de Açúcar convocou donas-de-casa para trabalhar como guias de compras nos supermercados, ganhando um salário de R$ 350 mensais.
Elas devem orientar os clientes com dicas para economizar. É um aprendizado obtido do outro lado do balcão, pressionadas pelo orçamento doméstico -por exemplo, adquirindo produtos sem grife, mas de qualidade.
Descobre-se, agora, que o know-how da pechincha tem valor de mercado.
A empresa recebeu 199 mil currículos para 150 vagas. Já foi feita a primeira seleção e sobraram 15 mil candidatas.
Essa fila de currículos ajuda a compor uma das mais importantes estatísticas sociais desse final de século: de cada dez novos empregos gerados na região metropolitana de São Paulo, sete (repito, sete) são ocupados por mulheres.

As candidatas têm, em média, 45 anos, com escolaridade de segundo grau.
São donas-de-casa há 20 anos e trabalharam até o casamento ou nascimento dos filhos.
Querem o emprego para nutrir o orçamento familiar e, mais importante, segundo o levantamento da empresa, ter uma atividade profissional.
"Estamos vendo que, para elas, o dinheiro é menos importante do que se sentirem valorizadas", diz Ana Diniz, dirigente do Grupo Pão de Açúcar.
A combinação desses dois fatores -dinheiro e valorização pessoal- está gerando um fenômeno que muda a cara da sociedade brasileira.
E mudando para melhor.

A Fundação Seade divulgou na semana passada pesquisa sobre as condições de vida no interior de São Paulo.
No capítulo sobre rendimentos, trouxe uma boa notícia. De 1994 até 1998, a renda familiar per capita cresceu quase um terço. Mais precisamente, 13%. Segundo informações preliminares, a tendência se repete, embora em menor grau, na região metropolitana.
"Pesa aqui o fator mulher", diz a pesquisadora Felícia Madeira, do Seade.
Não apenas a mulher avança no mercado de trabalho, obtendo vagas, mas seu salário cresce. Cresce porque ela entra na categoria de serviços, onde os rendimentos são mais elevados.
Daí se explica, em parte, o salto da renda familiar. "É uma movimentação notável, já que significa aumento do poder da mulher. Sabemos que a volta ao trabalho significa uma retomada da auto-estima", analisa Felícia.

Daí se explica também, em parte, os níveis de desemprego -o "fator mulher" ajuda a mostrar como esse índice é cercado de ignorância e manipulação.
Imagina-se que o nível de desemprego sobe apenas porque a crise econômica corta vagas. Bobagem.
Também sobe porque mais pessoas decidem procurar um lugar para trabalhar.
Exemplo: em abril de 1998, na região metropolitana de São Paulo, criaram-se 32 mil novos postos de trabalho.
Mas a taxa de desemprego aumentou; mais gente, naquele mês, saiu para procurar uma vaga.
"Mulheres adultas, já casadas, mães, são as estreantes que saem à procura de trabalho, vendo o exemplo de suas amigas", afirma Felícia Madeira.

O fato é que, neste ano, dos 8,647 milhões de trabalhadores da região metropolitana de São Paulo, 42,3 % são mulheres.
Apesar de todos os indicadores sobre a condição da mulher no Brasil (da violência doméstica aos rendimentos salariais inferiores aos homens), a mudança do mercado de trabalho é um bom presente no Dia das Mães.

PS - Outra causa para a melhoria da renda familiar é a queda de filhos por mulher.
Sempre vale a pena repetir: o planejamento familiar é um dos mecanismos óbvios de avanço social.
Apesar de toda essa obviedade, pouco se faz, nas camadas de baixa renda, para garantir acesso fácil a métodos contraceptivos.
O Brasil ainda aguarda homens públicos com coragem para colocar esse tema no topo da agenda.


E-mail: gdimen@uol.com.br


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