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GILBERTO DIMENSTEIN
Procuram-se mulheres
Dona-de-casa virou, em São
Paulo, profissão remunerada.
Num lance de marketing, o
Grupo Pão de Açúcar convocou
donas-de-casa para trabalhar
como guias de compras nos supermercados, ganhando um
salário de R$ 350 mensais.
Elas devem orientar os clientes com dicas para economizar.
É um aprendizado obtido do
outro lado do balcão, pressionadas pelo orçamento doméstico -por exemplo, adquirindo produtos sem grife, mas de
qualidade.
Descobre-se, agora, que o
know-how da pechincha tem
valor de mercado.
A empresa recebeu 199 mil
currículos para 150 vagas. Já
foi feita a primeira seleção e sobraram 15 mil candidatas.
Essa fila de currículos ajuda a
compor uma das mais importantes estatísticas sociais desse
final de século: de cada dez novos empregos gerados na região metropolitana de São
Paulo, sete (repito, sete) são
ocupados por mulheres.
As candidatas têm, em média, 45 anos, com escolaridade
de segundo grau.
São donas-de-casa há 20 anos
e trabalharam até o casamento
ou nascimento dos filhos.
Querem o emprego para nutrir o orçamento familiar e,
mais importante, segundo o levantamento da empresa, ter
uma atividade profissional.
"Estamos vendo que, para
elas, o dinheiro é menos importante do que se sentirem valorizadas", diz Ana Diniz, dirigente do Grupo Pão de Açúcar.
A combinação desses dois fatores -dinheiro e valorização
pessoal- está gerando um fenômeno que muda a cara da
sociedade brasileira.
E mudando para melhor.
A Fundação Seade divulgou
na semana passada pesquisa
sobre as condições de vida no
interior de São Paulo.
No capítulo sobre rendimentos, trouxe uma boa notícia. De
1994 até 1998, a renda familiar
per capita cresceu quase um
terço. Mais precisamente, 13%.
Segundo informações preliminares, a tendência se repete,
embora em menor grau, na região metropolitana.
"Pesa aqui o fator mulher",
diz a pesquisadora Felícia Madeira, do Seade.
Não apenas a mulher avança
no mercado de trabalho, obtendo vagas, mas seu salário
cresce. Cresce porque ela entra
na categoria de serviços, onde
os rendimentos são mais elevados.
Daí se explica, em parte, o
salto da renda familiar. "É
uma movimentação notável, já
que significa aumento do poder da mulher. Sabemos que a
volta ao trabalho significa uma
retomada da auto-estima",
analisa Felícia.
Daí se explica também, em
parte, os níveis de desemprego
-o "fator mulher" ajuda a
mostrar como esse índice é cercado de ignorância e manipulação.
Imagina-se que o nível de desemprego sobe apenas porque a
crise econômica corta vagas.
Bobagem.
Também sobe porque mais
pessoas decidem procurar um
lugar para trabalhar.
Exemplo: em abril de 1998, na
região metropolitana de São
Paulo, criaram-se 32 mil novos
postos de trabalho.
Mas a taxa de desemprego
aumentou; mais gente, naquele
mês, saiu para procurar uma
vaga.
"Mulheres adultas, já casadas, mães, são as estreantes que
saem à procura de trabalho,
vendo o exemplo de suas amigas", afirma Felícia Madeira.
O fato é que, neste ano, dos
8,647 milhões de trabalhadores
da região metropolitana de
São Paulo, 42,3 % são mulheres.
Apesar de todos os indicadores sobre a condição da mulher
no Brasil (da violência doméstica aos rendimentos salariais
inferiores aos homens), a mudança do mercado de trabalho
é um bom presente no Dia das
Mães.
PS - Outra causa para a melhoria da renda familiar é a
queda de filhos por mulher.
Sempre vale a pena repetir: o
planejamento familiar é um
dos mecanismos óbvios de
avanço social.
Apesar de toda essa obviedade, pouco se faz, nas camadas
de baixa renda, para garantir
acesso fácil a métodos contraceptivos.
O Brasil ainda aguarda homens públicos com coragem
para colocar esse tema no topo
da agenda.
E-mail: gdimen@uol.com.br
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