São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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EDUCAÇÃO

Professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas chegam a lecionar em salas com 200 estudantes

Superlotação afeta qualidade do ensino

DA REPORTAGEM LOCAL

Início dos anos 80. Em uma sala da FFLCH, 40 estudantes assistem a uma aula de literatura brasileira. O professor Alfredo Bosi lê, pausadamente e em tom baixo, trechos de grandes clássicos de Machado de Assis. Depois da aula, um grupo de estudantes permanece na sala e, junto do professor, analisa "A Divina Comédia", de Dante Alighieri (1265-1321).
Maio de 2002. O professor Augusto Massi, 42, que foi aluno de Bosi, inicia mais uma aula, com 20 minutos de atraso. É o tempo que a platéia de 200 alunos leva para se acomodar em uma sala sem ventilação ou cadeiras em quantidade suficiente para todos. Sem microfone, Massi "berra" um poema. Termina a aula afônico.
As diferenças entre a época em que frequentou a FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) como aluno e atualmente, como mestre, não param por aí. Massi diz que, em vez de aula, acaba dando uma "conferência". "Descontando todos os problemas de infra-estrutura de uma sala superlotada e as perguntas dos alunos, sobram uns 20 minutos de aula. Dá para tratar "Macunaíma" [de Mário de Andrade" em 20 minutos?"
Nos bons tempos em que lecionava para grupos de 50 alunos, Massi diz que costumava levá-los a exposições de artes plásticas e a filmes sobre o modernismo. "Naquela época dava para dar uma assessoria individual."
Apesar de continuar dando plantões, em que tira as dúvidas dos estudantes e os orienta na leitura de textos, Massi diz ser impossível acompanhar de perto os 200 alunos. Segundo ele, a situação na FFLCH começou a piorar nos últimos cinco anos, mas há dois se tornou "insustentável".
A deterioração das condições de ensino levou os 12.327 alunos da "fefeleche", como a faculdade é chamada na USP, a entrar em greve há 40 dias. A paralisação envolve os cursos de geografia, história, letras, ciências sociais e filosofia. O número de alunos corresponde a 20% dos estudantes da USP.
Em documento divulgado na última sexta-feira, o diretor da faculdade, professor Francis Henrik Aubert, declarou seu apoio à paralisação. "É o mais massivo, participativo e criativo movimento estudantil das duas últimas décadas", afirmou. O discurso de Aubert vai na direção oposta do feito pelo vice-reitor da universidade, professor Hélio Nogueira da Cruz. Em entrevista à Folha na última sexta-feira, no campus da Cidade Universitária (zona oeste de São Paulo), Cruz disse faltar planejamento aos departamentos sobre como apresentar suas reivindicações à reitoria (leia entrevista nesta página).
A greve, segundo ele, "está perdendo seu caráter reivindicatório e assumindo uma clara conotação política". Lideranças estudantis ouvidas pela Folha se queixam de que a reitoria não estaria "levando o movimento a sério".
O vice-reitor recebeu um documento da comissão de representantes dos grevistas, formada por alunos e integrantes de centros acadêmicos da FFLCH e do DCE (Diretório Central de Estudantes) da USP, e prometeu submetê-lo à reunião da Comissão de Claros Docentes, marcada para a próxima terça-feira. A comissão é responsável pela gestão dos recursos da universidade.
Para Massi, no caso específico do curso de letras, o problema seria falta de planejamento da reitoria. Ao mesmo tempo em que foram criadas novas vagas, o espaço físico não foi ampliado. Além disso, mais de 300 professores se aposentaram e apenas metade das vagas foi preenchida.
Ele afirma que cursos de grego, latim e tupi, por exemplo, correm o risco de extinção por falta de professores especializados. "A situação é de extrema gravidade e os alunos perceberam. Não é um movimento politizado do ponto de vista partidário", afirma. Massi diz permanecer na USP por "convicção intelectual".
Nicolau Sevcenko, professor de história da cultura na FFLCH há quase 20 anos, pensa como Massi. Para ele, a unidade vive hoje um total desprestígio e reflete uma inversão do sentido da universidade. "Historicamente, a FFLCH sempre foi um elemento de reflexão crítica e de articulação entre a sociedade e a universidade."
Na opinião de Sevcenko, é clara a ênfase dada pelos gestores à produção científica-tecnológica em detrimento das humanidades. Para o historiador, essa crise não provoca perdas apenas para a FFLCH, mas à USP e à sociedade de uma forma geral. Ele define como "subumanas" as condições em que os professores da unidade lecionam e em que os alunos assistem as aulas.
"É uma massa compacta em um ambiente apertado e sem ventilação. Não conheço mais os meus alunos. Não sei quais são as necessidades de cada um. Assisto a isso tudo tristemente, melancolicamente", afirma. (CLÁUDIA COLLUCCI e FÁBIO PORTO SILVA)


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