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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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MOACYR SCLIAR

Um namorado para Cinderela

Disneyworld faz prósperos negócios como local para casamentos. Atendendo ao desejo das noivas que querem se casar no castelo de Cinderela, cerca de 2.000 casamentos são lá celebrados anualmente. Folha Online, 27.mai.03

Casamento em Disneyworld: quando ela leu a notícia, quase desmaiou de emoção. Disneyworld fora um sonho de sua infância, um sonho que nunca pudera realizar: os pais, pobres, não tinham dinheiro para pagar a viagem. O que era causa de frustração e inveja: sua amiguinha Sônia já estivera duas vezes no mágico lugar.
Mas agora o sonho estava, sim, a seu alcance. Breve casaria com um homem mais velho e muito rico, um homem que lhe fazia todas as vontades, mesmo as mais absurdas. Por que não realizar o casamento no castelo da Cinderela, em Disneyworld?
Fez a proposta ao noivo, que achou a idéia um tanto esquisita, mas não se opôs: se é assim que você quer casar, é assim que casaremos; o importante é que você se sinta feliz.
Ela de imediato viajou a Orlando para tomar as providências relativas à cerimônia. Como esperava, Disneyworld era deslumbrante, com todas as suas atrações, que ela ignorou, ansiosa como estava para ver o famoso castelo. Quando lá chegou, estava quase na hora de fechar; não havia ninguém ali. Entrou, foi andando por um escuro corredor.
De repente deu com uma estranha figura: uma mulher, já de idade, vestida como princesa; só que as roupas, outrora luxuosas, agora estavam rasgadas e manchadas. Atravessada sobre a cabeça desgrenhada, uma coroa, com pedras evidentemente falsas.
Diante de seu susto, a aparição se identificou: era ninguém menos do que Cinderela. Não uma atriz; a verdadeira Cinderela, que há muito vagava pelos corredores do castelo, em busca de alguém a quem pudesse contar sua história. Estaria a visitante disposta a ouvi-la? Diante da assustada, mas afirmativa resposta, iniciou um triste relato. Todo o mundo imaginava que, após o casamento com o príncipe, haviam sido felizes para sempre:
Nada disso, minha cara. Ele se revelou o maior pilantra. Obrigava-me a limpar o castelo todo, alegando que eu sempre fizera isso antes de encontrá-lo e que não podia perder a prática. A comida era racionada, as roupas eram as mesmas do casamento, estas aqui, e, quando eu pedia que me levasse a passear, respondia, irônico: use como carruagem aquela abóbora puxada pelos ratinhos. Enfim, meu sonho se transformou em pesadelo.
A visitante ouvia, consternada. E aí, notando que Cinderela estava descalça, lembrou-se de perguntar pelos famosos sapatinhos de cristal. A outra suspirou:
- Isso é o pior de tudo. Porque o cara é fetichista, sabe? Só tinha relações comigo quando eu usava os tais sapatinhos -que guardava no cofre. Agora, porém, faz tempo que não me chama. Desconfio que existe uma outra usando os malditos sapatos.
Enxugou uma lágrima:
- Concluindo, minha cara: preciso de um novo príncipe encantado. Será que você não me arranja um namorado brasileiro?
A moça voltou para o Brasil e anunciou ao noivo que tinha cancelado os planos para o casamento em Disneyworld. Com o dólar subindo e descendo, e com a briga acerca da Alca, ela nunca vai arranjar um namorado brasileiro para uma Cinderela americana.


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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