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MOACYR SCLIAR
Um namorado para Cinderela
Disneyworld faz prósperos negócios
como local para casamentos. Atendendo ao desejo das noivas que querem se casar no castelo de Cinderela,
cerca de 2.000 casamentos são lá celebrados anualmente. Folha Online,
27.mai.03
Casamento em Disneyworld: quando ela leu a notícia, quase desmaiou de emoção.
Disneyworld fora um sonho de
sua infância, um sonho que nunca pudera realizar: os pais, pobres, não tinham dinheiro para
pagar a viagem. O que era causa
de frustração e inveja: sua amiguinha Sônia já estivera duas vezes no mágico lugar.
Mas agora o sonho estava, sim,
a seu alcance. Breve casaria com
um homem mais velho e muito rico, um homem que lhe fazia todas
as vontades, mesmo as mais absurdas. Por que não realizar o casamento no castelo da Cinderela,
em Disneyworld?
Fez a proposta ao noivo, que
achou a idéia um tanto esquisita,
mas não se opôs: se é assim que
você quer casar, é assim que casaremos; o importante é que você se
sinta feliz.
Ela de imediato viajou a Orlando para tomar as providências relativas à cerimônia. Como esperava, Disneyworld era deslumbrante, com todas as suas atrações, que ela ignorou, ansiosa como estava para ver o famoso castelo. Quando lá chegou, estava
quase na hora de fechar; não havia ninguém ali. Entrou, foi andando por um escuro corredor.
De repente deu com uma estranha figura: uma mulher, já de
idade, vestida como princesa; só
que as roupas, outrora luxuosas,
agora estavam rasgadas e manchadas. Atravessada sobre a cabeça desgrenhada, uma coroa,
com pedras evidentemente falsas.
Diante de seu susto, a aparição
se identificou: era ninguém menos do que Cinderela. Não uma
atriz; a verdadeira Cinderela, que
há muito vagava pelos corredores
do castelo, em busca de alguém a
quem pudesse contar sua história.
Estaria a visitante disposta a ouvi-la? Diante da assustada, mas
afirmativa resposta, iniciou um
triste relato. Todo o mundo imaginava que, após o casamento
com o príncipe, haviam sido felizes para sempre:
Nada disso, minha cara. Ele se
revelou o maior pilantra. Obrigava-me a limpar o castelo todo,
alegando que eu sempre fizera isso antes de encontrá-lo e que não
podia perder a prática. A comida
era racionada, as roupas eram as
mesmas do casamento, estas
aqui, e, quando eu pedia que me
levasse a passear, respondia, irônico: use como carruagem aquela
abóbora puxada pelos ratinhos.
Enfim, meu sonho se transformou
em pesadelo.
A visitante ouvia, consternada.
E aí, notando que Cinderela estava descalça, lembrou-se de perguntar pelos famosos sapatinhos
de cristal. A outra suspirou:
- Isso é o pior de tudo. Porque o
cara é fetichista, sabe? Só tinha relações comigo quando eu usava
os tais sapatinhos -que guardava no cofre. Agora, porém, faz
tempo que não me chama. Desconfio que existe uma outra usando os malditos sapatos.
Enxugou uma lágrima:
- Concluindo, minha cara: preciso de um novo príncipe encantado. Será que você não me arranja um namorado brasileiro?
A moça voltou para o Brasil e
anunciou ao noivo que tinha cancelado os planos para o casamento em Disneyworld. Com o dólar
subindo e descendo, e com a briga
acerca da Alca, ela nunca vai arranjar um namorado brasileiro
para uma Cinderela americana.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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