São Paulo, terça-feira, 09 de julho de 2002

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SAÚDE

Pacote de ajuda oferecido pelo governo a dez países inclui transferência de tecnologia para produção de medicamentos

Brasil quer difundir genéricos contra Aids

Associated Press
Na conferência de Barcelona, integrantes do grupo francês Act Up protestam contra o alto preço das drogas anti-Aids


AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA

O Brasil reuniu a imprensa internacional ontem em Barcelona para anunciar que está oferecendo remédios para mil pacientes de Aids de dez países necessitados. O projeto custará US$ 1 milhão por ano, por tempo indeterminado.
O pacote de ajuda incluirá a oferta de tecnologia para que esses países venham a fabricar seus próprios remédios genéricos para a Aids. Os candidatos ao benefício não foram definidos.
O Brasil já produz oito das 15 drogas antiretrovirais que fazem parte do consenso de tratamento da doença e diz estar em condições de produzir as outras sete.
O Far-Manguinhos, laboratório do Ministério da Saúde que vem "copiando" drogas existentes no mercado, anunciou ontem que já está pesquisando o que será o primeiro medicamento brasileiro contra a Aids. O país distribui medicamentos a 113 mil pacientes -na África negra inteira, apenas 33 mil são atendidos.
A oferta de cooperação internacional foi feita no segundo dia da 14ª Conferência Internacional de Aids, que acontece em Barcelona.
Num encontro em que as Nações Unidas e entidades médicas estão dando um "puxão de orelha" nos países ricos, por sua fraca contribuição, o gesto do Brasil está sendo visto como bom exemplo. Os países desenvolvidos, que acenaram com US$ 10 bilhões anuais para o Fundo Global contra a Aids, só reuniram um terço desse valor.
"O maior mérito do programa de cooperação brasileiro é mobilizar outros governos e o próprio governo beneficiado a tomar atitudes", disse Paulo Teixeira, coordenador do Programa Nacional de DST/Aids.
Na seleção dos países candidatos à ajuda, um dos itens prevê que seu governo também participe ativamente do combate à Aids. Teixeira citou o Haiti, onde um projeto monitorado pela Universidade de Harvard, com efeitos positivos no tratamento em 80 pacientes, mobilizou o governo a tratar outros 600.
A iniciativa brasileira, prevista em portaria ministerial do final de maio e anunciada ontem, foi elogiada até pelas ONGs que há tempos cobram do Brasil uma postura de liderança junto aos países pobres e mais atingidos pela doença.
"Em número de pacientes beneficiados, o programa é pequeno, mas, do ponto de vista político, tem um impacto importante", disse Mario Scheffer, do Grupo Pela Vidda, de São Paulo.
José Araújo, do Grupo de Incentivo à Vida, disse que o Brasil está assumindo "papel de liderança" e que "tem moral para exigir que outros governos banquem o tratamento de seus pacientes".
Paulo Teixeira citou países como a Argentina, Chile, Peru e Equador, além da África do Sul e a Nigéria, com condições tecnológicas de aprender e produzir seus próprios medicamentos. Ele lembrou que o investimento em tratamento, assumido pelo Brasil nos últimos anos, trouxe uma economia de US$ 2,2 bilhões entre 1994 e 2002, além de evitar 90 mil mortes e a ocorrência de 58 mil casos da doença.
Jose Araújo, que esteve num encontro com 120 soropositivos e pacientes de Aids em Honduras, relatou que tinha "vergonha de tomar os remédios" na frente deles. "Eles me pediam que guardasse o resto para eles", disse.
No último ano, especialmente depois que assumiu papel de liderança internacional na luta pelo direito à produção de genéricos para Aids, o governo brasileiro vem sendo pressionado por ONGs locais e internacionais para que vá mais longe, quebrando a patente dos medicamentos protegidos e exportando os remédios a preço de custo. Até agora, o Ministério da Saúde vem optando por negociar preços melhores com os laboratórios.

O jornalista Aureliano Biancarelli viajou a convite do laboratório Abbott

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