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MOACYR SCLIAR
Seqüestro e paixão
Não conseguia esquecer o seqüestrador, homem bonito, másculo, decidido. Tinha se apaixonado por ele
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Após ter sido mantida refém num ônibus na Dutra pelo ex-marido e de o ter acusado de tentativa de estupro, a técnica de radiologia Cristina Ribeiro, 35, reatou o relacionamento com André Luiz Ribeiro da Silva, 36. "Estamos morando juntos", disseram ao jornal "Extra". Marcada pelo ciúme de Silva, a relação do casal ganhou visibilidade em todo o país em 10 de novembro do ano passado, quando ele seqüestrou um ônibus na rodovia Presidente Dutra, em Nova Iguaçu. Sob a mira de um revólver, Cristina foi feita refém com outros 38 passageiros por dez horas. Cristina afirma que o amor pelo marido e a saudade que os filhos tinham do pai pesaram em sua decisão. Cotidiano, 2 de julho
A NOTÍCIA do final feliz para o
caso de Cristina e André Luiz
comoveu muitas pessoas. Para Laura, contudo, não se tratava só
de uma notícia; passou a ser um sonho. Laura queria mudar de vida.
Casada havia muitos anos com Pedro, gerente de um pequeno restaurante, sem filhos, a sua existência se
transformara numa previsível e, para ela, insípida rotina. Iam sempre
aos mesmos lugares, conviviam
com as mesmas pessoas, passavam
as férias na mesma praia. Laura ansiava pelo insólito, pelo inesperado
-por uma aventura, enfim, como
aquela que Cristina tinha vivido,
mesmo que tal aventura pudesse
representar um susto, e até um abalo, em sua vida.
A aventura pela qual esperava
acabou acontecendo e de uma forma muito parecida com aquela que
tinha sido vivida por Cristina. Uma
noite ela e o marido voltavam para
casa, de carro, quando ao pararem
num semáforo, foram abordados
por um homem armado. Um seqüestro. O assaltante mandou que
Pedro descesse do carro, tomou o
volante, e, junto com a apavorada
Cristina, dirigiu-se para uma pequena casa num bairro distante da
periferia. Lá imobilizou a moça e
disse que pediria um resgate. Uma
quantia aliás não muito elevada, de
modo que Cristina não precisaria se
preocupar: provavelmente já no dia
seguinte estaria livre. De fato, avisado, Pedro falou com amigos e parentes, reuniu a soma necessária e
entregou-a no local escolhido pelo
assaltante. Cristina voltou para casa. Tudo parecia bem.
Mas não estava tudo bem. Por
uma simples razão: não conseguia
esquecer o seqüestrador, homem
bonito, másculo, decidido. Como
acontece nos casos da chamada síndrome de Estocolmo, tinha se apaixonado por ele. E era uma paixão
tão avassaladora que ela decidiu largar Pedro. Tinha o telefone do homem, ligou para ele, combinou um
encontro. A partir daí passaram a
viver juntos. Não era fácil. Ela pouco sabia do companheiro, que se
identificava como Rafael, e que às
vezes sumia por dias seguidos -provavelmente às voltas com roubos e
seqüestros. Começava a sentir falta
da tranqüila existência com Pedro;
mas isso agora era coisa do passado.
Ou pelo menos assim ela imaginava. E aí mais uma surpresa. Uma
noite estava voltando com Rafael de
carro para casa quando, ao estacionarem, alguém emergiu das sombras, empunhando um revólver. Era
Pedro, que ali estava para seqüestrar
a ex-mulher. Ela atirou-se nos braços dele chorando.
Estão morando juntos de novo, e
são relativamente felizes. Conversam muito, desvendam seus segredos. Mas nunca falam de seqüestros,
claro.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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