|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Importamos o que existe de pior, diz técnico em trânsito
Engenheiro e sociólogo diz que modelo brasileiro de políticas para motocicletas copia o que existe na África e na Ásia pobre
Para Eduardo Vasconcellos, regulamentação do mototáxi sinaliza domínio do discurso de que moto liberta os mais pobres
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há cinco anos, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez
um alerta mundial para os riscos do avanço das motos nos
países em desenvolvimento.
O engenheiro e sociólogo
Eduardo Alcântara Vasconcellos, 56, que participou como
representante brasileiro no relatório da entidade, avalia que
as recomendações tiveram um
efeito "zero" -e que um dos
exemplos da situação no Brasil
é a regulamentação nacional da
atividade do mototáxi.
"O discurso de que a moto gera emprego e liberta o pobre,
essa demagogia é mais forte",
diz. "Importamos o pior do que
já existe na África e na Ásia pobre, de uma maneira populista
e irresponsável", afirma ele,
que tem pós-doutorado na Universidade de Cornell (EUA) e é
assessor da ANTP (associação
de transportes públicos):
FOLHA - Quais serão os impactos
da regulamentação do mototáxi?
EDUARDO ALCÂNTARA VASCONCELLOS - É inegável que a moto é
um veículo muito perigoso. De
cada dez acidentes com moto,
sete têm vítimas. De cada dez
com carro, um tem vítima.
Se acrescentar a isso a possibilidade de alguém na garupa,
aumenta o problema porque a
condução de uma motocicleta é
influenciada pelo peso e pelo
comportamento do passageiro.
Dado o apoio amplo e irrestrito do governo federal à indústria da motocicleta, haverá
um incentivo muito forte para a
proliferação do mototáxi.
FOLHA - Que apoio é esse?
VASCONCELLOS - O governo facilitou a ida da indústria para a
zona franca de Manaus. Tem
um subsídio muito alto. Agora,
com a crise, o governo também
reduziu o IPI da motocicleta.
Além disso, a moto que entrou no Brasil é altamente poluente. O governo não exigiu
que a indústria adaptasse os
motores. É uma licença para
poluir com um custo social
enorme. Nós importamos o
pior do que já existe na África e
na Ásia pobre, de uma maneira
populista e irresponsável.
FOLHA - Por que populista?
VASCONCELLOS - Porque a moto
disfarça, esconde os impactos
verdadeiros e trabalha habilmente com a ideia de progresso. O discurso é por ser geradora de empregos. O mais irônico
e trágico é que ela fala que é a libertação dos mais pobres.
FOLHA - A regulamentação do mototáxi, ao fixar regras claras, não é
melhor do que deixar como está?
VASCONCELLOS - É um falso argumento. As pessoas de mototáxi, mesmo com a regulamentação, estarão expostas a riscos
muito altos. As características
inerentes da motocicleta são
um problema. Independe do
capacete, por exemplo.
FOLHA - O mototáxi chegará com
força às grandes metrópoles?
VASCONCELLOS - Nas grandes
metrópoles vai haver uma resistência maior, porque o
transporte público é mais farto.
Mas nas áreas periféricas delas
vai surgir com certeza.
Existem deficiências estruturais na oferta do sistema de
ônibus, na qualidade, a tarifa é
muito alta em vários lugares.
Tudo isso é um incentivo pra
pegar um mototáxi.
FOLHA - O que mudou desde 2004,
quando a OMS apontou a preocupação mundial com as motos?
VASCONCELLOS - Nada. Não teve
nenhuma repercussão. Zero. O
discurso de que a moto gera
emprego e liberta o pobre, essa
demagogia é mais forte.
Esses processos de entrada
de tecnologia sem nenhum cuidado se assemelham a processos de seleção natural. Infelizmente. Os mais fracos, os mais
ignorantes dos riscos, vão pagar
um preço altíssimo na ilusão de
que é uma coisa boa.
Texto Anterior: Senado libera transporte por mototáxi Próximo Texto: Pasquale Cripo Neto: "Como se fora brincadeira de roda...' Índice
|