São Paulo, sexta-feira, 09 de julho de 2010

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BARBARA GANCIA

A pena estéril


Canetadas não encurtam o caminho para a maturidade que passa pelo processo da educação do eleitor


ESTÁ ALVO como Omo que a fúria em legislar não está funcionando a contento.
Noutro dia, comentava no meu blog (que, por sinal, voltou para o Folha.com) sobre o vereador que apresentou projeto para proibir pipas em São Paulo por conta dos acidentes com o cerol.
Como sabemos que cerol já não se encontra para vender há uns bons dois séculos e que será impossível fiscalizar a nova lei, a única conclusão a que se pode chegar sobre o esforço inútil do parlamentar é que ele se aconchegou no "nicho pipas" a fim de mostrar serviço.
Mas, sendo golpe ou ingenuidade letal, o resultado é sempre o mesmo. Veja o exemplo da lei que vetou, em 2008, o sacrifício de cães recolhidos na ruas pelos centros de zoonoses. Acompanhei de perto o projeto desde a sua formulação e pergunto: quantas vezes, de lá para cá, você não leu neste espaço sobre a necessidade imperiosa de se conjugar a essa lei mutirões de castração e medidas para educar a população sobre as vantagens da castração de cães e gatos?
Pode crer, dileto leitor, que a maioria dos constituintes que trabalha pela causa animal o faz por oportunismo do mais deslavado. Pega bem defender bicho, o eleitor gosta e o sujeito vai se elegendo a sucessivos mandatos sem correr o risco de que aqueles sobre quem está legislando lhe mordam o calcanhar.
O vereador responsável pela lei que impede as prefeituras de matar animais de rua, Feliciano Filho (PV), foi alertado várias vezes de que em pouco tempo chegaríamos à situação de superlotação de abrigos que estamos vendo agora. Mesmo assim, não recuou um milimetro, pois sabia que contava com a simpatia da militância dócil.
Desde que a lei foi implementada, não sei de uma só pessoa que tenha sido educada sobre a necessidade de se castrar animais domésticos. Nos EUA, o presidente Clinton deu o exemplo, mandando castrar seu labrador, Billy. Obama também fez isso com seu cão d" água português, Bo. E, nós aqui, que agora estamos no mato sem carrocinha, com canis superlotados por toda parte, continuamos a insistir nessa sandice de cruzar o mascote.
A mesma lógica se aplica à Lei Ficha Limpa, que impede que candidatos condenados em primeira instância concorram a cargos eletivos. Nesta semana, o grande Janio de Freitas afirmou que "mesmo que a Lei Ficha Limpa seja defeituosa, seu sentido é bastante claro". De fato, tem o peso das 1,3 milhão de assinaturas que acompanharam o projeto ao Congresso.
Mas, vem cá: eu também gostaria de ver, digamos, a cura do câncer. Mas temo que bolar um projeto de lei acompanhado seja lá de quantas assinaturas for, não seja suficiente para mudar a realidade.
O processo de depuração que irá reduzir a quantidade de corruptos entre os candidatos eleitos não passa por leis que desprestigiam a presunção de inocência (a Constituição não diz que todos serão considerados inocentes até a sentença transitada em julgado, ou seja, em última instância?). Passa, isto sim, pelo processo gradativo e doloroso de se educar e politizar o eleitor.
Golpes de pena não encurtam o caminho para essa maturidade. Muito ao contrário, só fazem gerar ilusão, frustração e mais injustiça.

barbara@uol.com.br

@barbaragancia
www.barbaragancia.com.br


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