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TERRA NOVA
Trinta famílias de Santa Cruz do Sul (RS), epicentro da indústria do cigarro no país, buscam vida sem agrotóxico
Agricultor troca fumo por horta ecológica
MARIO CESAR CARVALHO
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DO SUL (RS)
"Não quero mais produzir veneno com veneno". O agricultor
Maiquel André Kloh diz isso não
com a fúria dos panfletários, mas
com um sorriso de quem descobriu uma alternativa de vida.
O primeiro veneno da frase é
modo como Maiquel, 23, chama o
fumo, que seu pai, Lauro, 50, cultiva há 42 anos.
O segundo são os agrotóxicos
usados nesse tipo de lavoura. "Este é o último ano em que planto
fumo. Só vou plantar coisas que
vão para a mesa. E sem agrotóxico", avisa o agricultor.
Os Kloh integram um grupo de
30 famílias de produtores que já
trocou ou está trocando o fumo
por hortas onde não entram agrotóxicos -30 mil famílias vivem
dessa cultura na região. Os motivos da troca envolvem ética, preocupações ambientais e sociais:
1- Não querem produzir algo
que faça mal à saúde do consumidor e do produtor, como dizem;
2- Não querem degradar o solo
com agrotóxicos e com a monocultura;
3- E não querem que o agricultor fique à mercê de um só cultivo
e de um só comprador.
"A nossa idéia é mudar a escala
de valores do agricultor", afirma o
engenheiro agrônomo Sighard
Hermany, 52, coordenador do
Capa (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor) em Santa Cruz do
Sul (Rio Grande do Sul), entidade
ligada à igreja luterana.
A cidade, a 155 km de Porto Alegre, é o epicentro da indústria do
cigarro no país e abriga o maior
complexo de beneficiamento de
fumo do mundo, da Souza Cruz.
O Vale do Rio Pardo, onde fica a
cidade de Santa Cruz, é responsável por um quinto do fumo produzido no Brasil.
Rentabilidade
O economista Marco Antonio
Vargas, 38, professor da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de
Janeiro) que pesquisa a economia
do tabaco, considera a experiência de Santa Cruz a mais importante do país no gênero.
"Os agricultores conseguiram
mostrar que é possível encontrar
alternativas ao fumo no maior pólo da indústria do cigarro. Há dez
anos isso seria impensável", afirma o professor da UFRJ.
Vargas prepara para a OMS
(Organização Mundial da Saúde)
um estudo sobre os resultados de
Santa Cruz.
A OMS tem interesse por essa
experiência por causa da Convenção-Quadro. Esse acordo, aprovado por 193 países no ano passado
com o objetivo de reduzir o tabagismo, prevê a substituição do fumo por outros cultivos para diminuir a oferta de cigarros.
A dúvida que persegue toda experiência de alternativa ao fumo é
uma só: será que dá para manter
os ganhos com outra plantação?
O fumo é uma das culturas mais
rentáveis do país, segundo a Afubra (Associação dos Fumicultores
do Brasil), entidade que reúne os
produtores: um hectare rende R$
7.275 ao ano, enquanto milho e
feijão propiciam ganhos de R$
1.130 e R$ 810, respectivamente.
Daí a sensação entre agricultores de que o fumo é um caminho
sem saída. "Aqui no Sul não tem
nenhuma cultura com uma rentabilidade maior do que o fumo",
diz Claudino Francisco Vaz, 53,
que diz ter começado a trabalhar
com essa cultura aos sete anos.
Ganhos sem fumo
A experiência de Santa Cruz
mostra que esse axioma nem
sempre é verdadeiro. A produção
de hortifrutigranjeiros sem agrotóxicos pode garantir até uma
renda maior, segundo Hermany.
A história da cidade talvez ajude
a entender o sucesso. A maioria
dos agricultores são netos ou filhos de alemães. Falam tanto a língua de seus ancestrais que concordam dizendo "ja" (sim) e se
despedem com "auf Wiedersehen" (até logo).
A obsessão da Alemanha pela
produção de alimentos sem agrotóxicos não é algo distante ali -a
igreja luterana funciona como
uma ponte entre os dois países.
O casal Clécio e Lore Maria Stüp
Weber, 45, que produz verduras e
geléias, estima ganhar R$ 1.700 líquidos por mês. O ganho mensal
do fumo por hectare, calculado a
partir da estimativa da associação
dos produtores, é de R$ 606.
A produção dos Weber é vendida pelas duas lojas da cooperativa
que o grupo criou (a Ecovale, da
qual participam 80 famílias) e em
14 feiras que esses produtores realizam toda semana na região.
O trabalho em grupo e a organização estão no cerne da experiência, segundo Hermany. "Individualmente, os produtores ecológicos não conseguiram sobreviver
porque não haveria escala. A cooperativa e a organização fazem
parte da lógica ecológica."
A maior dificuldade para mudar de cultura é que a safra do fumo tem compra garantida. Por isso, a saída é planejada. "A minha
idéia é deixar o fumo em cinco
anos", diz Marcos Hinterholz, 35.
Quer trocar de cultivo para não
conviver com agrotóxicos e porque não consegue contratar ninguém para ajudá-lo: "Não existe
mais mão-de-obra aqui".
Com as novas plantações, há
também ganhos imponderáveis.
O maior deles, de acordo com o
agrônomo Jaime Weber, 42, é o
conhecimento que os produtores
passam a ter com a produção diversificada.
Erosão cultural
"A cultura do fumo causou uma
erosão cultural nos agricultores.
Eles recebem um pacote pronto
das empresas do fumo e desaprendem tudo. Não sabem produzir sementes nem época das safras", afirma o agrônomo.
Quando param de produzir fumo, têm de receber assessoria do
Centro de Apoio ao Pequeno
Agricultor para reaprender o que
seus pais já haviam ensinado, mas
se perdeu com a monocultura.
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