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Exilados da cracolândia vagam pelo centro
Usuários de crack que deixaram a área após ação do Estado se espalham em grupos para outros pontos na região central
Consumidores de drogas agora perambulam pelo Minhocão e região da praça da República, Arouche
e largo de Santa Cecília
Fotos Marlene Bergamo/Folha Imagem
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Grupo de consumidores de crack usa a droga em cima do Minhocão, após operação feita pelo Estado na região da Cracolândia
PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL
MARLENE BERGAMO
REPÓRTER-FOTOGRÁFICO
O aviso em letras brancas no
asfalto do Minhocão é para motoristas: "Devagar Curva Perigosa". Mas à partir das 21h30,
quando o acesso ao viaduto é
restrito a pedestres, aqueles dizeres, no trecho que passa acima de Santa Cecília, parecem
dirigir-se aos usuários de crack.
"Eles se tornaram andarilhos, não existe mais uma "base". Caminham completamente
desnorteados por todos os lugares, em grupos enormes, da
Barra Funda à Radial Leste",
diz o segurança Chico de Assis,
contratado por comerciantes e
moradores da rua Sebastião Pereira, que fica em uma área ao
redor do viaduto, para afugentar viciados. "Não dá para o cara
sair do prédio de manhã, ou
abrir o bar, o banco, com aquela
gente amontoada ali na porta."
Além de subir o elevado pelo
acesso que desce para Santa
Cecília (região central) e também pelo que desemboca na
rua Helvétia (idem), os usuários, ou "nóias", agora caminham a esmo pela vizinhança
da praça da República, dos largos do Arouche e de Santa Cecília, e em vários pontos da avenida São João -todos bem distantes da "original" cracolândia, cujo perímetro abrange as
redondezas da praça Júlio
Prestes (até a avenida Ipiranga); ruas Eduardo Prado e Conselheiro Nébias.
Uma das consequências dos
deslocamentos é o aumento do
lixo que normalmente os craqueiros reviram atrás de algo
vendável (para a compra de
mais pedras) e que serve também para camuflar a droga,
quando a polícia aparece. O lixo
revirado é encontrado em mais
calçadas, uma vez que eles caminham por mais lugares.
A Subprefeitura da Sé, responsável pela coleta, afirma
que a quantidade de lixo (se estiver ensacado ou espalhado) é
a mesma -e que, portanto, não
é possível medir diferenças.
Recuperação do centro
O movimento itinerante dos
craqueiros coincide com o início da Ação Integrada Centro
Legal, deflagrada no dia 22 de
julho pela prefeitura, governo
do Estado, Judiciário e Ministério Público. A intenção da iniciativa, de acordo com as assessorias, é "recuperar o centro da
capital paulista, e não somente
a região da Luz".
"O sentido da ação não é policial. Não é para ficar imaginando que a gente vai prender alguém, não temos nem base legal para isso", diz a assessoria
da Secretaria de Segurança.
O deslocamento dos "nóias"
acontece sobretudo à noite. A
polícia aparece, o grupo caminha enrolado em cobertores
em direção às quadras vizinhas.
A polícia vai embora. Ressurge.
Mais uma caminhada.
"A migração era esperada
desde o início da ação. São 126
agentes comunitários de saúde
da prefeitura, sendo que 40
desses trabalham em horário
diferenciado, até 22h", informa
a assessoria da prefeitura.
Nas cerca de quatro horas
que circulou no centro, a reportagem não viu nenhum agente
próximo aos usuários.
Não há confrontos entre PMs
e "nóias" -apesar dos olhares
desesperados e do andar miúdo, maníaco, os usuários parecem mais fracos do que propriamente agressivos.
Na rua Helvétia, uma das
poucas "bases" remanescentes,
onde dezenas de usuários ocupam as calçadas, uma mulher
de jeans, top branco, pulseiras
tilintantes e bolsa grande grita
"Em Brasília tá cheio!", com a
voz convulsionada (depois se
entende que ela se refere à traição de alguém que, no seu caso,
prometeu a ela uma pedra).
Na quinta-feira passada, um
grupo de mais de cem usuários
se aglomerava na porta do prédio dos Correios que fica na esquina da avenida São João com
rua Aurora. O carro da polícia
chegou. Todos caminharam,
sem pressa, para a vizinha rua
Joaquim Gustavo, que vai da
Aurora à praça da República.
De repente, a maior parte do
grupo ficou em pé, como quando um técnico de futebol reúne
o time: é o que acontece sempre
que o "vapor" chega com um
"blocão" (pedra maior) e repassa pedaços -ou "biricos".
É só chegar. Todos parecem
se conhecer, mas a socialização
acaba com o efeito da pedra.
Dependendo do "nóia", o trago
pode ser chamado de "pedrada", "paulada" ou "pega".
No alto do Minhocão, usuários que já fumaram tudo o que
dispunham procuram no chão
algum "birico" perdido. Um deles se abaixa e olha bem de perto o asfalto, no movimento de
quem perdeu a aliança no ralo.
Ele fica assim durante quase
meia hora. Outros "nóias" vão
chegando, mas, no desespero
da falta, não dão importância
ao colega. Em sua imprudência,
sem medo de curvas perigosas,
permanecem trafegando alucinadamente pela via elevada.
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