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Paulistano relata emoções e sustos de ser pai
"Em um minuto não sou mais o mesmo", disse Paulo Tessare Jr., pai pela primeira vez, na maternidade
OCIMARA BALMANT
DA REVISTA DA FOLHA
No centro cirúrgico barulhento, de repente não se ouve
um zunido sequer. Passam-se
alguns minutos de silêncio absoluto. Interrompido pela
constatação de um homem que
se estica na ponta dos pés,
olhos marejados e voz embargada. "Estou vendo a cabeça do
neném. Ele vai sair já conhecendo o meu rosto", diz Paulo
Tessare Jr., 35, devidamente
paramentado para a ocasião
inédita: máscara, luva, touca,
avental azul e pulseira com os
dizeres "sou papai". O relógio
marca 6h50 da manhã de uma
sexta-feira fria e chuvosa em
São Paulo, 31 de julho. Está
prestes a nascer um pai.
Uma paternidade que foi ganhando contornos durante as
39 semanas em que a barriga da
mulher, Michelle, 32, crescia.
"A Michelle fez o exame de
sangue e invadiu meu consultório com dois sapatinhos no bolso, um rosa e um azul", lembrava ele, minutos antes do parto,
enquanto enxugava o suor do
rosto apesar dos 10C do inverno. "O sangue esquentou porque hoje tudo o que vi na tela
vou ver pessoalmente e vai ser
muito mais bonito."
O treino foi com um boneco
de pano. Duas semanas antes
do parto, ele e Michelle, casados há sete anos, frequentaram
o curso de gestante e viram que
o pacote de cuidados era extenso: a sequência certa do banho,
a forma como limpar o bumbum e trocar a fralda, o procedimento nos casos em que o bebê engasga com leite e até o que
fazer se o recém-nascido perder o fôlego. "Aprendi tudo,
mas era uma simulação. Agora
será de verdade."
Exatamente às 6h53, a realidade vem à tona. Paulo corta o
cordão umbilical do próprio filho, com a supervisão do obstetra. Ele é o primeiro a ver o rostinho de Lorenzo, fisionomia já
familiar. "Ele faz as mesmas caretas que a gente via no vídeo",
diz à mulher, deixando as lágrimas escorrerem sem trégua e
beijando o corpinho ainda nu
do filho, que nasceu com 50 cm
e pesando 3,555 kg.
Desfaz-se o silêncio. A cada
choro do bebê, Paulo responde
com um sorriso alto, quase uma
gargalhada mesmo. Com o filho
no colo, a euforia dá lugar a
uma admiração quase muda,
apenas um ou outro murmúrio
de quem sabe que a vida mudou. "Em um minuto não sou
mais o mesmo. Entrei aqui um
e vou sair outro."
Uma hora depois do banho,
quando mamãe e papai esperavam a chegada de Lorenzo no
quarto, alguém do berçário
chama por Paulo. O bebê receberia um reforço de oxigênio
porque apresentava dificuldade para respirar. Um procedimento comum, mas que apagou por algum tempo o sorriso
da família. "Meu Deus, nem
bem nasceu e a gente já está
preocupado", diz um pai
apreensivo, esfregando uma
mão na outra, pernas inquietas.
Era mesmo um problema
simples. Após três horas, "que
pareceram ter durado meses",
Lorenzo ganhava o colo da mamãe, respirando sem ajuda e
com uma porção de visitas à espera. "Foi tanta emoção que ele
não mamou. Foi pegar o peito
só de madrugada", conta Paulo.
No fim de semana, um desfile
de elogios, de fotos do bebê enviadas por e-mail aos amigos da
família, de vacinas doloridas e
de exames que deixaram a família orgulhosa. "Meu filho é
nota 10! Tirou nove no primeiro teste do Apgar e dez no segundo", gaba-se o pai, na saída
da maternidade, com o filho de
três dias nos braços. O teste
consiste na avaliação de cinco
indicadores: frequência cardíaca, respiração, musculatura, reflexos e cor da pele. A prova é
aplicada no minuto do nascimento e reaplicada cinco minutos depois. Mas e a nota do
pai? "O filho é sempre melhor
do que o pai. De saída acho que
tirei uns sete. Mas, quando Lorenzo chegou ao quinto dia, eu
já merecia uma nota oito",
brinca Paulo.
Se soubesse o sufoco do banho em casa, por exemplo, Paulo não teria estimulado o chororô do bebê na primeira experiência, ainda na maternidade.
"É tenso, ele esgoela durante os
20 minutos do ritual."
Ele segue a cartilha: com o
bebê embrulhado em um cueiro, molha a cabecinha e passa
um algodão com água no rostinho. Depois, tira a fralda e lava
do pescoço para baixo, de um
lado e de outro. No final, mas
não menos complicado, é hora
de vestir o corpo molinho do
bebê, que parece que vai quebrar a qualquer momento.
Além do banho, outras manobras treinadas no boneco de
pano continuam ganhando vida dentro da casa desse pai com
uma semana de experiência. "O
Lorenzo está começando a engasgar. Daí, tem que botar pra
cima, pro lado, dar uma chacoalhadinha... Fico com o coração
na mão, mas sei que faz parte."
Nessas descobertas, é claro
que também nasce o jeitinho
peculiar de sanar alguns contratempos e de dar vazão àquele instinto paterno capaz de
adivinhar os sentimentos do filho. Desde que chorou ao se ver
"dormindo sozinho no berço
gigante", Paulo decidiu que era
melhor deixar Lorenzo no carrinho, mais aconchegante.
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