São Paulo, domingo, 09 de agosto de 2009

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Paulistano relata emoções e sustos de ser pai

"Em um minuto não sou mais o mesmo", disse Paulo Tessare Jr., pai pela primeira vez, na maternidade

OCIMARA BALMANT
DA REVISTA DA FOLHA

No centro cirúrgico barulhento, de repente não se ouve um zunido sequer. Passam-se alguns minutos de silêncio absoluto. Interrompido pela constatação de um homem que se estica na ponta dos pés, olhos marejados e voz embargada. "Estou vendo a cabeça do neném. Ele vai sair já conhecendo o meu rosto", diz Paulo Tessare Jr., 35, devidamente paramentado para a ocasião inédita: máscara, luva, touca, avental azul e pulseira com os dizeres "sou papai". O relógio marca 6h50 da manhã de uma sexta-feira fria e chuvosa em São Paulo, 31 de julho. Está prestes a nascer um pai.
Uma paternidade que foi ganhando contornos durante as 39 semanas em que a barriga da mulher, Michelle, 32, crescia.
"A Michelle fez o exame de sangue e invadiu meu consultório com dois sapatinhos no bolso, um rosa e um azul", lembrava ele, minutos antes do parto, enquanto enxugava o suor do rosto apesar dos 10C do inverno. "O sangue esquentou porque hoje tudo o que vi na tela vou ver pessoalmente e vai ser muito mais bonito."
O treino foi com um boneco de pano. Duas semanas antes do parto, ele e Michelle, casados há sete anos, frequentaram o curso de gestante e viram que o pacote de cuidados era extenso: a sequência certa do banho, a forma como limpar o bumbum e trocar a fralda, o procedimento nos casos em que o bebê engasga com leite e até o que fazer se o recém-nascido perder o fôlego. "Aprendi tudo, mas era uma simulação. Agora será de verdade."
Exatamente às 6h53, a realidade vem à tona. Paulo corta o cordão umbilical do próprio filho, com a supervisão do obstetra. Ele é o primeiro a ver o rostinho de Lorenzo, fisionomia já familiar. "Ele faz as mesmas caretas que a gente via no vídeo", diz à mulher, deixando as lágrimas escorrerem sem trégua e beijando o corpinho ainda nu do filho, que nasceu com 50 cm e pesando 3,555 kg.
Desfaz-se o silêncio. A cada choro do bebê, Paulo responde com um sorriso alto, quase uma gargalhada mesmo. Com o filho no colo, a euforia dá lugar a uma admiração quase muda, apenas um ou outro murmúrio de quem sabe que a vida mudou. "Em um minuto não sou mais o mesmo. Entrei aqui um e vou sair outro."
Uma hora depois do banho, quando mamãe e papai esperavam a chegada de Lorenzo no quarto, alguém do berçário chama por Paulo. O bebê receberia um reforço de oxigênio porque apresentava dificuldade para respirar. Um procedimento comum, mas que apagou por algum tempo o sorriso da família. "Meu Deus, nem bem nasceu e a gente já está preocupado", diz um pai apreensivo, esfregando uma mão na outra, pernas inquietas.
Era mesmo um problema simples. Após três horas, "que pareceram ter durado meses", Lorenzo ganhava o colo da mamãe, respirando sem ajuda e com uma porção de visitas à espera. "Foi tanta emoção que ele não mamou. Foi pegar o peito só de madrugada", conta Paulo.
No fim de semana, um desfile de elogios, de fotos do bebê enviadas por e-mail aos amigos da família, de vacinas doloridas e de exames que deixaram a família orgulhosa. "Meu filho é nota 10! Tirou nove no primeiro teste do Apgar e dez no segundo", gaba-se o pai, na saída da maternidade, com o filho de três dias nos braços. O teste consiste na avaliação de cinco indicadores: frequência cardíaca, respiração, musculatura, reflexos e cor da pele. A prova é aplicada no minuto do nascimento e reaplicada cinco minutos depois. Mas e a nota do pai? "O filho é sempre melhor do que o pai. De saída acho que tirei uns sete. Mas, quando Lorenzo chegou ao quinto dia, eu já merecia uma nota oito", brinca Paulo.
Se soubesse o sufoco do banho em casa, por exemplo, Paulo não teria estimulado o chororô do bebê na primeira experiência, ainda na maternidade. "É tenso, ele esgoela durante os 20 minutos do ritual."
Ele segue a cartilha: com o bebê embrulhado em um cueiro, molha a cabecinha e passa um algodão com água no rostinho. Depois, tira a fralda e lava do pescoço para baixo, de um lado e de outro. No final, mas não menos complicado, é hora de vestir o corpo molinho do bebê, que parece que vai quebrar a qualquer momento.
Além do banho, outras manobras treinadas no boneco de pano continuam ganhando vida dentro da casa desse pai com uma semana de experiência. "O Lorenzo está começando a engasgar. Daí, tem que botar pra cima, pro lado, dar uma chacoalhadinha... Fico com o coração na mão, mas sei que faz parte."
Nessas descobertas, é claro que também nasce o jeitinho peculiar de sanar alguns contratempos e de dar vazão àquele instinto paterno capaz de adivinhar os sentimentos do filho. Desde que chorou ao se ver "dormindo sozinho no berço gigante", Paulo decidiu que era melhor deixar Lorenzo no carrinho, mais aconchegante.


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