São Paulo, terça-feira, 09 de agosto de 2011

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ANÁLISE TRÂNSITO

Pedestre precisa estar em mapa mental

Quanto menos quem caminha ou pedala for elemento-surpresa, maior a chance de ser visto pelos condutores

É POR VALORIZAR NOSSA CAPACIDADE DE ATENÇÃO QUE NOS COLOCAMOS EM SITUAÇÕES COMO DIRIGIR EM ALTA VELOCIDADE

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

"Ele apareceu do nada. Eu juro que não vi." As duas orações acima são recorrentes quando o motorista tenta explicar como atingiu o pedestre, o motoboy ou o ciclista.
Mais do que uma desculpa esfarrapada, a frase revela algumas verdades cognitivas.
Embora não o reconheçamos, nossa capacidade de atenção é bastante limitada. Um experimento seminal de 1999 conduzido pelos psicólogos Christopher Chabris e Daniel Simons traduz com muito bom humor o tamanho do problema.
Eles fizeram um vídeo no qual seis pessoas (três vestindo camisetas brancas, e três, pretas) trocam passes com duas bolas de basquete. Estudantes são instruídos a contar mentalmente os passes do pessoal de branco enquanto assistem ao vídeo.
Um sujeito fantasiado de gorila entra em cena, encara a câmara, bate no peito e se retira. Ele aparece na tela por nove segundos.
Você o notaria? A esmagadora maioria das pessoas responde com um sonoro "sim".
O fato é que 50% das cobaias simplesmente não veem o gorila, porque estão ocupadas contando.
Está em operação aqui o que os psicólogos chamam de "cegueira por inatenção".
Trata-se de uma poderosa ilusão cognitiva com importante impacto social, que se materializa justamente na forma de acidentes.
O problema não é tanto não ver o gorila, mas acreditar erroneamente que seremos sempre capazes de fazê-lo. Nós imaginamos que podemos enxergar tudo o que aparece à nossa frente, quando na verdade só temos consciência de uma pequena porção das coisas que estão em nosso campo visual. Em geral, vemos aquilo que o cérebro já espera encontrar.
É por superestimar nossa capacidade de atenção que nos colocamos em situações de perigo, como dirigir em velocidade superior à calculada pelos técnicos (isso mesmo, aquele número que nos parece ridiculamente pequeno que aparece nas placas) ou falando ao celular.
A solução para o problema, além de obedecer às regras de trânsito, é colocar pedestres e ciclistas no mapa mental dos motoristas.
Quanto menos estes forem um elemento-surpresa, maiores as chances de serem vistos pelos condutores.
E, como mostrou um trabalho de 2000, é nas cidades onde há mais pedestres e ciclistas que eles estão mais seguros (considerados mortes e ferimentos por milhão de km caminhados ou pedalados). Esse estudo se restringiu a cidades do Primeiro Mundo.

RUBEM ALVES
O colunista está em férias.


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