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SAÚDE
"Branco" pode indicar distúrbio de memória
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Terça-feira, 28 de agosto, Teatro
Municipal de São Paulo lotado. O
maestro Mário Valério Zaccaro
rege a ópera "La Traviata" e dá a
deixa para o barítono coreano
Jang Ho Joo, 43, iniciar a ária "Di
Provenza", curta canção cantada
por um solista. Por alguns segundos, Joo se esquece do texto.
"E agora, o que vou fazer?", pensou o barítono, diante de uma
platéia de 1.530 pessoas. Ele diz ter
se confundido porque a ária repete várias vezes o mesmo texto, trocando a ordem. "O que veio na
minha cabeça foi um trecho anterior, e eu não podia repeti-lo."
Joo, que não tem problemas de
memória, afirma que é a primeira
vez que teve um "branco" em
mais de 20 anos de carreira.
Normalmente, esquecimentos
momentâneos, como o que teve
Joo, passam quase que despercebidos, ou são levados na brincadeira, tanto pelo esquecido quanto por seus interlocutores.
Mas quando esses "brancos"
devem ser levados a sério? Quando o esquecimento for frequente,
e começar a trazer prejuízos à vida
pessoal ou profissional, diz a psiquiatra Daniela Kurcgant, do
Hospital das Clínicas de SP.
Segundo ela, vários fatores no
nosso dia-a-dia, como falta de sono, estresse e ansiedade, podem
provocar distúrbios de memória
passageiros. O importante é ficar
atento para o problema, e procurar ajuda médica caso ele persista.
Nos Estados Unidos, estatísticas
mostram que 20% da população
entre 20 e 40 anos tem algum problema com a memória. No Brasil,
não há estudos abrangentes sobre
esse tema.
Pesquisa desenvolvida por um
grupo multidisciplinar e coordenada pela fonoaudióloga clínica
Ana Maria Alvarez, da USP, relaciona os distúrbios de memória
com os processos de audição e
atenção. Ou seja, muitas vezes, as
pessoas ouvem, mas não são capazes de entender o que foi dito.
No estudo, que envolveu fonoaudiólogos, neurologistas,
neuropsicólogos e psiquiatras, foram analisadas 70 pessoas de diferentes níveis culturais e sociais e
com idades entre 19 e 76 anos.
Aparentemente, elas não tinham
queixas no desempenho social e
profissional.
Após seis meses de acompanhamento, 40% demonstraram nível
rebaixado de memória verbal,
mesmo ouvindo bem e com o nível de atenção parecendo razoável. Propositadamente, os entrevistados não foram separados por
grupos de idade. Não deu outra:
os mais idosos tiveram o mesmo
nível de memória que os jovens.
Segundo Alvarez, isso demonstra que os jovens, habituados à
linguagem visual, com informações simultâneas e de consumo
rápido, muitas vezes, não processam o que ouvem.
A não-compreensão da linguagem escrita, segundo Alvarez, é
uma das principais consequências das dificuldades de compreender o que se ouve.
A pessoa que é motivada a ler
troca constantemente símbolos
visuais por representações linguísticas e, ouvindo a si próprio,
cria imagens mentais, desenvolvendo seu poder de atenção, afirma a fonoaudióloga.
Por outro lado, diz ela, os idosos
devem desassociar a perda de memória da idade. Um cérebro sadio, sob constante desafio e contínua aprendizagem, constrói múltiplas conexões neurais (muitas
vias que se interligam), e essas conexões são a melhor defesa contras as doenças degenerativas que
aparecem na velhice.
Ajuda médica
A estudante Renata Cintra, 22,
descobriu que precisava procurar
um médico para resolver seus
"brancos" de memória há três
anos, no cursinho pré-vestibular.
"Eu não conseguia decorar nada,
nem as fórmulas mais fáceis."
Ela afirma que, primeiro, procurou um psiquiatra e, em seguida, começou tratamento com
uma fonoaudióloga. Um dos
exercícios que fazia era ouvir várias informações ao mesmo tempo, sem desviar a atenção.
Além de conseguir passar no
vestibular de economia na PUC-SP, Renata diz que se tornou mais
organizada. "Parece que meu cérebro foi reprogramado."
A mudança para um emprego
mais exigente motivou o gerente
de negócios Alexandre Jordão, 27,
a buscar ajuda médica para melhorar sua concentração e memória. "Comecei a desenvolver vários projetos ao mesmo tempo e
precisava me organizar." Ele afirma que atingiu seus objetivos.
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