São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004

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VAIDADE DE RISCO

Seis pessoas foram internadas após uso de produto veterinário; objetivo seria ganhar massa muscular

Anabolizante animal deixa 2 jovens em coma

ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dois jovens, de 15 e 21 anos, estão internados na UTI do Hospital de Base de Brasília, em coma, após tentar "inflar" os músculos ao tomar doses de um combinado para uso animal de anabolizante e complemento vitamínico. Outros quatro jovens que utilizaram as mesmas substâncias foram hospitalizados, mas já receberam alta.
A polícia investiga mais cinco casos de utilização das drogas com o mesmo fim. Todos os casos são de jovens de Padre Bernardo, cidade goiana que fica a 120 quilômetros de Brasília.
Segundo a mãe de um dos internados, o garoto, de 15 anos, começou a passar mal na noite de quinta-feira, horas depois de ter 10 ml de uma mistura do anabolizante nandrolona e do complexo vitamínico ADE injetados em cada braço. "Ele vomitava e não falava coisa com coisa."
O garoto foi levado ao hospital da cidade, de onde foi transferido para o Hospital Regional de Brazlândia, no Distrito Federal. Ainda na madrugada de sexta-feira, foi removido para a UTI do Hospital de Base, em Brasília, onde permanece em estado grave.
O mesmo ocorreu com o atendente Jackson Vieira de Souza, 21, que está na UTI em estado gravíssimo. Ele recebeu uma dose de 30 ml em cada braço.
Segundo o médico veterinário Augusto Moscardini, do Hospital de Grandes Animais da UnB (Universidade de Brasília), a dose recomendada das substâncias fica em torno de 10 ml para animais entre 350 e 400 quilos.
Todos os seis hospitalizados injetaram o produto nos músculos e, em pelo menos um dos casos, houve administração intravenosa. Os jovens se conheciam e, segundo a Polícia Civil, receberam a dose da mesma pessoa. O caso está sendo investigado nas delegacias de Padre Bernardo e Brazlândia, onde vive o suspeito de ter vendido as doses.
A polícia investiga também a composição do material injetado nos jovens. É provável que se trate do medicamento para uso animal Estigor, que combina o esteróide anabolizante nandrolona e o complexo vitamínico ADE. Segundo o coordenador de produtos veterinários do Ministério da Agricultura, Ricardo Pamplona, o produto, fabricado na Argentina, não tem registro no Brasil.
A venda e o uso de anabolizantes animais no país só é permitida para eqüinos. O Estigor, indicado para engorda de gado de corte, é proibido. Segundo Pamplona, o ministério não tem encontrado o produto na fiscalização de lojas veterinárias e agropecuárias. Ele acredita que se trate de contrabando para uso humano.
Paulo Gentil, presidente do Grupo de Estudos Avançados em Saúde e Exercício, explica que o ADE não tem a função de aumentar os músculos. Ao ser injetado, tem uma pequena parte absorvida pelo organismo. O restante fica "encapsulado" no local, causando inflamação e inchaço, que daria a impressão de maior massa muscular. A aplicação é dolorosa e o efeito pode durar anos.
"É uma espécie de tumor, que pode destruir tecidos e causar até mesmo amputação", afirma. Caso seja aplicada na corrente sangüínea, a solução oleosa pode levar ao entupimento de veias e causar embolia.
O hormônio nandrolona, que tem como função aumentar a síntese protéica, é utilizado para aumentar a massa muscular. Seu uso pode causar graves lesões hepáticas e renais e aumenta o risco de câncer.
Segundo José Carlos Chinaglia, diretor do Hospital de Base, além das lesões nos rins e fígado, os dois jovens correm risco de ficar com seqüelas neurológicas. "Há ainda um maior risco de câncer de próstata", diz.
Chinaglia diz que o hospital tem registrado de uma a duas internações por mês de pessoas que fazem uso de anabolizantes. "É a primeira vez que aparecem seis casos de uma única vez", diz.


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