São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2001

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TRANSPORTES

Licitação da CET prevê pagamento de taxas superiores aos índices de inflação para as prestadoras do serviço

Preço de radar embute juros de 2,5% ao mês

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

A licitação da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) para os radares fixos e móveis na cidade de São Paulo embute nos pagamentos às prestadoras do serviço juros de 2,5% ao mês, superiores aos índices de inflação e à taxa básica de juros da economia (Selic).
Esses encargos financeiros são resultado de uma forma de contratação que estabelece sete meses, em média, entre a detecção das infrações de trânsito e a remuneração das empresas. Eles indicam que, dos R$ 98,2 milhões que as operadoras poderão faturar nos próximos três anos, R$ 15,6 milhões se referem a juros pagos pela prefeitura, e não aos serviços de fiscalização da velocidade.
Esse valor corresponde a mais de 8% dos gastos com trânsito neste ano. A taxa proposta pela CET representa um acréscimo de 18,87% às despesas do sistema. Pela Selic, utilizada como referência para a correção de títulos públicos, ele não passaria de 10,7%. Nos primeiros sete meses de 2001, os principais indicadores de inflação variaram entre 3,5% e 6,5%.
A licitação prevê que as selecionadas para prestar os serviços podem receber até R$ 31,46 por multa de radar móvel e até R$ 26,47 por multa de radar fixo, já incluídos os encargos de 2,5% ao mês.
A partir da quantidade de infrações estimada pela CET e os preços que a prefeitura se dispõe a pagar, os custos mensais pela operação de cada um dos 40 aparelhos móveis e cada um dos 80 fixos podem atingir, respectivamente, R$ 39.325 e R$ 14.454.
Em Belo Horizonte, onde as empresas recebem no mesmo mês em que prestam os serviços, essas despesas são de R$ 9.002 e R$ 6.830, respectivamente. Segundo a CET, a inclusão de atividades diferenciadas nos contratos (processamento de dados, por exemplo) justificam a elevação dos custos na capital paulista.
Três de cinco especialistas em licitações ouvidos pela Folha consideram abusiva a taxa de correção de 2,5% ao mês. Dependendo da capacidade financeira do cliente, os bancos oferecem financiamentos com juros até inferiores a esse. "A empresa de radar tem que ser remunerada apenas para não perder dinheiro, ou seja, com base na inflação ou na taxa básica de juros. Ela tem que ganhar em cima da prestação do serviço, e não como se estivesse emprestando dinheiro", diz Paulo Boselli.
"A inclusão de encargos financeiros já não é muito comum em contratos públicos. Essas condições estão bastante vantajosas para os prestadores do serviço", afirma Benedito Porto Neto.
"A prefeitura jamais poderia propor uma taxa dos bancos. Ela tem que dar exemplo e seguir a lei", afirma João Carlos Scalzilli, diretor da Associação dos Direitos Financeiros do Consumidor, citando uma parte da Constituição que prevê a cobrança de juros reais de no máximo 12% ao ano, mas que é contestada na Justiça pela falta de regulamentação.
O professor de direito administrativo Adilson Dallari e o advogado Toshio Mukai avaliam que a remuneração de 2,5% ao mês pode ser aceitável porque, embora seja superior à taxa básica de juros, não se distancia da do mercado. "Se a empresa tiver que pegar dinheiro emprestado no banco para começar a trabalhar, por exemplo, essa correção não configura lucro financeiro", afirma Dallari. "Se é um valor de mercado, não é um exagero", diz Mukai.

Critérios de seleção
A abertura dos envelopes da licitação foi suspensa temporariamente no último dia 23, depois que a Justiça pediu explicações sobre os critérios de seleção. A CET fez um edital em que atribuía peso três para técnica e sete para preço. Depois, fez uma nova versão invertendo essas pontuações. A mudança favorece as grandes empresas e reduz as chances de conseguir preços menores.
"Essa opção é absurda porque potencializa a margem de subjetividade. A solução correta seria atribuir uma nota técnica de suficiência e, a partir de então, julgar apenas pelos menores preços oferecidos", diz Adilson Dallari. Mukai não vê restrições. "A lei prevê a possibilidade de técnica e preço. Não há um padrão para os pesos."



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