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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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DANUZA LEÃO

O prazer de reclamar

Não há nada pior do que um namorado ciumento, daqueles que, quando você diz que foi ao cinema, ele pede para contar o filme (só para conferir se era verdade).
Para eles não existe a realidade nem os fatos, e nem precisa: afinal, para que serve a imaginação? Se ela diz com ar sonhador que adora uma música antiga de Chico e cantarola "quero ficar no seu corpo feito tatuagem", por exemplo, ele imediatamente imagina que um dia ela foi louca por alguém, que a letra da música tinha tudo a ver com a história que estava vivendo na época e, não contente, visualiza a cena como se estivesse assistindo a um filme. Aí fica de mau humor, se rói por dentro, e cabe a ela adivinhar a razão dessa súbita mudança de comportamento, que, aliás pode durar dias.
Ele telefona o dia inteiro para saber o que ela anda fazendo e, mesmo tendo consciência de que com o celular qualquer pessoa pode dizer que está na igreja rezando e estar num motel, ele não a deixa em paz. É duro, homem ciumento (e mulher também).
Existem alguns -não no Rio e em São Paulo- que proíbem suas namoradas de usar vestido muito curto e decotes exagerados e ainda dizem a famosa frase "desse jeito você não sai comigo" -ameaça das mais graves.
Ela tem que se comportar como se nunca tivesse tido um romance na vida, portanto não pode jamais citar o nome de um antigo namorado e deve agir como se fosse virgem -em todos os sentidos- quando o conheceu. Como seria possível suportar o fato de algum dia ela ter tido uma paixão que não ele? É preciso ter uma grande compreensão para com os ciumentos e também uma grande compaixão, pois ninguém sofre mais do que eles.
Um coração ciumento não tem um minuto de sossego; quando não existem razões para ter ciúmes do presente, existem o passado e o futuro, que são incontroláveis, e dos quais ninguém escapa. Qualquer referência é capaz de acender a fagulha fatal, seja porque alguém se referiu ao Carnaval de 1998, seja por uma foto antiga dentro de um livro, ou a pior de todas: os filhos do outro casamento, prova viva de que houve outro antes dele. E se esses filhos se parecerem com o ex e ela for uma boa mãe, é claro que a cada vez que olha para as crianças deve estar lembrando do passado e com saudades dos tempos felizes que viveu -na cabeça dele, é claro. E mesmo que ela tenha largado o marido para ficar com ele, isso não prova nada -também na cabeça dele, é claro. Gente ciumenta é um perigo.
Se eles não chegam a examinar a bolsa e a carteira, estão sempre atentos como um delegado de polícia de filme francês, e se encontrar o extrato do cartão de crédito, não há Cristo que os impeça de examinar conta por conta, sobretudo as de restaurante. A vida moderna não dá chance nem a uma traiçãozinha leve.
É duro viver com um homem assim, mas tem pior: são aqueles que são impermeáveis aos ciúmes.
Eles ficam amigos dos ex-namorados, têm uma ótima relação com o pai das crianças e são capazes de ouvi-la contar como foi aquela paixão louca que acabou tão mal e pela qual ela sofreu tanto. Ele compreende tudo (e não há nada pior do que um homem compreensivo).
Entre um homem ciumento e aquele a quem nada abala? O ciumento, é claro.
Não há maior prova de falta de amor do que a ausência de ciúmes -pelo menos, na cabeça delas.
E, em ambos os casos, são duas excelentes razões para ela reclamar.


E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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