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PASQUALE CIPRO NETO
"Ao ver seu amigo partir"
Estabelece-se a correlação verbal quando se sintonizam o tempo e o modo das formas verbais empregadas
NA ÚLTIMA coluna, trocamos
duas palavras sobre o verbo
"ver" -especificamente sobre suas formas do futuro do subjuntivo ("Quando meu bem-querer
me vir..."; "E na TV se você vir...").
Pois bem. No último fim de semana, encontrei um dos grandes nomes da moderna música brasileira.
Conversa vai, conversa vem, ele me
perguntou sobre as construções "Ao
ver tal coisa" e "Quando vir tal coisa", semanticamente equivalentes,
mas... Mas formalmente diferentes.
O fato é que com "ao" o verbo é
posto no infinitivo ("Ao dar a resposta..."; "Ao fazer isso..."; "Ao dizer essas palavras..."), o que significa que orações como essas podem
ser combinadas com orações principais cujo verbo esteja no presente
("Ao ver as filhas, chora de emoção"), no pretérito ("Ao ver as filhas, chorou de emoção") ou no futuro ("Ao ver as filhas, chorará...").
Com a conjunção subordinativa
"quando", a coisa muda: o verbo é
conjugado numa forma finita, isto
é, num dos tempos (presente, pretérito ou futuro) de um dos modos
(indicativo ou subjuntivo, no caso):
"Quando vê as filhas, chora...";
"Quando via as filhas, chorava...";
"Quando viu as filhas, chorou...";
"Quando vir as filhas, chorará...".
O leitor certamente notou que
foi necessário fazer o devido casamento entre as formas verbais de
cada período (vê/chora, via/chorava, viu/chorou, vir/chorará). Um
dos nomes que se dão a esse casamento é "correlação verbal", expressão técnica que muitas bancas
adotam nas questões dos vestibulares que elaboram. Pede-se ao
candidato que aponte a frase em
que há/não há correlação verbal.
Mas voltemos ao emprego de
formas como "Ao ver seu amigo
partir", frase que deve ter feito você se lembrar de "Canção da América". Volta e meia se vêem camisetas em que se estampam o trecho
inicial da letra ("Amigo é coisa pra
se guardar debaixo de sete chaves,
dentro do coração") e, entre parênteses, seu "autor" (Milton Nascimento). O querido Bituca não escreveu a letra de "Canção da América", não; fez a música, a melodia.
A letra, que é de Fernando Brant,
continua deste modo: "Assim falava a canção que na América ouvi /
Mas quem cantava chorou ao ver
seu amigo partir / E quem ficou no
pensamento voou com seu canto
que o outro lembrou...". Tudo devidamente correlacionado, não?
Quando gravou (lindamente) essa
música, a inesquecível Elis Regina
cantou esse trecho assim: "A se falar na canção que na América ouvi
/ Mas quem cantar vai chorar ao
ver seu amigo partir / E quem ficou
no pensamento voou...".
Quem voou foi a querida Elis,
que deixou sem nexo a bela letra de
Brant. Embora haja correlação em
"Quem cantar vai chorar ao ver...",
falta elo entre esse trecho e o seguinte ("E quem ficou..."). Some-se
a isso a impertinência de "A se falar
na canção". Ao gravar "Oriente", de
Gilberto Gil, Elis trocou "Se oriente, rapaz, pela constatação de que a
aranha vive do que tece" por "Se
oriente, rapaz, pela constatação de
que a aranha duvido que tece".
Tudo bem. Isso não diminui o
meu amor por Elis e por sua importância nas nossas artes, mas ela
podia ter tomado um pouco mais
de cuidado com as letras. É isso.
inculta@uol.com.br
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