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GILBERTO DIMENSTEIN
Como Brasília perdeu uma prostituta
Como era inteligente, a menina prosperava cada vez mais rápido na escola; assim, deixou a prostituição e virou dentista
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A EDUCADORA Dagmar Garroux
preparou uma de suas alunas
para ser prostituta. Mas não
qualquer prostituta -seria treinada
para circular pelos bastidores de
Brasília. Além de etiqueta, aprenderia a falar bem português e se viraria
no inglês ou espanhol. Com aulas de
artes, história e atualidades, ela conseguiria manter uma conversa em
recepções. "O treino funcionou", orgulha-se Dagmar.
Funcionou tão bem que Brasília
perdeu uma prostituta.
A menina, estimulada com a chance
de ser prostituta em Brasília, morava na favela do Parque Santo Antônio, localizada no chamado "triângulo da morte", na zona sul da cidade de São Paulo. No "triângulo" existe o cemitério São Luiz, que, conta-se, é o lugar onde estariam enterrados mais adolescentes por metro
quadrado no mundo.
Dagmar criou, ali, um centro educacional batizado de Casa do Zezinho -o nome é inspirado na poesia
"E agora, José?", de Carlos Drummond de Andrade. Uma das freqüentadoras da casa era a menina,
que começou a vender o corpo, na
fronteira da adolescência, agenciada
por um rapaz mais velho da escola
pública em que estudava. Dividiam
pela metade o valor de cada programa (R$ 10).
A garota não gostou da intromissão da educadora. "Não se mete, não.
Você nunca pensou em se vender
para ganhar dinheiro?", perguntou,
agressiva. Ela era conhecida pela
violência, metia-se em brigas. Quase
sempre andava com uma faca.
Dagmar suspeitou de que corria o
risco de perder a aluna, desfeito o já
frágil laço afetivo. Decidiu entrar no
jogo. Disse que nunca quis vender o
corpo. Mas, se quisesse, não iria
aceitar mixaria. "Eu iria cobrar no
mínimo R$ 1.000. Isso no começo,
depois aumentaria o preço."
A aluna arregalou os olhos e ouviu
a improvável proposta: "Por que você não se prepara para ser puta em
Brasília? Você ganha dinheiro e se
aposenta". Com aquele corpo e a bagagem intelectual, acrescentou, certamente iria surgir um marido rico.
No dia seguinte, a garota voltou, animada com a proposta. "Topo", disse.
Dagmar ponderou que ela deveria,
então, se preparar. Para começo de
conversa, deveria se cuidar para que
aumentasse a disputa dos clientes.
Precisaria, assim, parar imediatamente de estragar seu corpo com os
homens da favela. "Você quer chegar a Brasília com a mercadoria velha?"
Dagmar convenceu-a de que, além
do corpo atraente, precisaria mostrar cultura e saber falar. Um tanto a
contragosto, mas de olho nas recompensas futuras, aceitou as aulas.
Com as aulas, vieram reflexões sobre autonomia e responsabilidade; a
auto-estima era trabalhada em projetos de arte e comunicação. Certo
dia, ela fez um comentário sobre os
dentes de Dagmar. "Parece que você
tem uma boca de cavalo." E brincou:
"Se eu fosse dentista, eu consertaria
a sua boca".
O apoio explicou por que, embora
sem intenção, a menina apresentasse melhor desempenho escolar. A
trajetória teve momentos de crise:
como já não faturava com a prostituição, a garota passou a vender drogas. Dagmar voltou a argumentar
que, se fosse mesmo vender drogas,
deveria se tornar chefe e, aí, precisaria continuar os estudos para entender contabilidade. O inglês seria útil
para transações internacionais.
Como era inteligente, a menina
prosperava cada vez mais rapidamente na escola. À medida que ficava mais velha, prestava mais atenção
no que acontecia em sua comunidade com quem se envolvia com as
drogas e a prostituição -bem ao seu
lado estava o pedagógico cemitério
São Luiz.
Ela chegou a concluir o ensino
médio e suspeitou que talvez pudesse prosseguir. Por motivos óbvios,
não posso revelar o nome da aluna:
"Ainda sinto muita vergonha", justifica. Fez um cursinho pré-vestibular
gratuito e entrou na USP. Formou-se em odontologia -e agora vive
consertando bocas.
PS: A ex-futura-prostituta de Brasília é um dos casos que passaram pela
Casa do Zezinho, uma experiência
relatada agora pelo educador Celso
Antunes no livro "A Pedagogia do
Cuidado", a ser lançado neste mês.
Ele detalha o que existe de teorias
pedagógicas por trás dos exemplos.
Se os gestores municipais agora eleitos quiserem fazer cidades melhores, terão de aprender as magias que
podem ser feitas quando existirem
bons educadores, mesmo num
"triângulo da morte".
É mais uma ilustração do que
sempre digo: educar é ensinar o encanto da possibilidade.
Um dos seus projetos é transformar aquele simbólico cemitério São
Luiz, com o recorde de covas de adolescentes, numa galeria de arte, com
os muros externos pintados -as
obras, claro, serão feitas por adolescentes. Por esse tipo de experiência,
Dagmar vai dar aula, na próxima semana, num curso de gestão da Fundação Vanzolini, da Poli.
gdimen@uol.com.br
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