São Paulo, segunda, 9 de novembro de 1998

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IRREGULARIDADE
Direção do Getúlio Vargas, no Rio, diz que nos últimos 4 anos corpos foram doados para faculdades
49 corpos são desviados de hospital no Rio

Rosane Marinho/Folha Imagem
O delegado Luiz Antonio Fernandes acredita em falha burocrática


FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio

Nos últimos quatro anos, os corpos de pelo menos 49 indigentes saíram indevidamente do Hospital Getúlio Vargas, na Penha (zona norte do Rio), sem autorização da diretoria.
Segundo a direção do Getúlio Vargas, os corpos foram doados para estudos à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e à Faculdade de Medicina de Teresópolis (90 km do Rio). O Getúlio Vargas pertencia ao governo estadual, mas teve a administração terceirizada em junho deste ano.
A saída irregular de cadáveres do hospital começou a ser descoberta na semana passada, quando a família do barraqueiro Manoel Paulino dos Santos Filho, depois de procurar seu corpo por 42 dias, localizou-o no tanque de formol da Faculdade de Medicina de Teresópolis. Santos Filho não era sequer doador de órgãos.
Um levantamento feito pelos administradores nos livros do necrotério a partir de 1995 constatou que todos os outros 48 corpos de indigentes que passaram pelo hospital desde então teriam sido doados sem documentação correta.
Ao lado de cada registro de óbitos constam os nomes do cemitério Santa Cruz -onde são enterrados indigentes- e da faculdade à qual o corpo teria sido doado. Há também a placa do carro que transportou o corpo.
Na documentação de cada corpo, não há, porém, a autorização da direção do hospital para sua doação. No Getúlio Vargas, quando um corpo não é reclamado pela família num prazo de dez dias, é automaticamente doado para faculdades com as quais o hospital mantém convênio.
A direção do Getúlio Vargas afirma que, com exceção do corpo de Manoel Paulino dos Santos Filho, os demais cadáveres não foram reclamados pelas famílias até hoje.
O funcionário Manoel Oliveira, responsável há 34 anos pelos livros de registros de óbitos do Getúlio Vargas, foi o único afastado do cargo até agora. Ele será ouvido esta semana pela polícia. Procurado pela Folha, Oliveira não foi encontrado.
Pelos corredores do hospital, funcionários comentam que um corpo custaria R$ 3 mil. O delegado Luiz Antônio Ferreira, da Delegacia de Repressão a Crimes contra a Saúde Pública da Polícia Civil, disse não acreditar na existência de uma quadrilha especializada na venda de cadáveres.
"Isso parece ter sido apenas uma falha burocrática. Depois que a gente morre, vira um amontoado de carne mole. Mas, como é um corpo, a responsabilidade é do Estado", afirmou.
Ferreira abriu inquérito para apurar o caso. A polícia ouvirá ainda os diretores do hospital e representantes da UFRJ e da Faculdade de Medicina de Teresópolis.



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