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São Paulo, terça-feira, 09 de dezembro de 2003

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INTOLERÂNCIA

Rapaz de 16 anos teve braço amputado e amigo, de 20, está em estado gravíssimo; acusados não foram identificados

Skinheads obrigam jovens a pular de trem

Carlos Oliveira/Folha Imagem
Trem do qual os jovens tiveram de saltar após serem ameaçados


AMARÍLIS LAGE
DA REPORTAGEM LOCAL

Cabelo espetado com gel, blusa e jaqueta com nomes de bandas de rock. Esses itens foram o suficiente para despertar a agressividade de três skinheads contra os amigos Cleyton da Silva Leite, 20, e Flávio Augusto Nascimento Cordeiro, 16, na noite do último domingo, em Mogi das Cruzes (Grande São Paulo).
Os dois rapazes foram obrigados pelo trio a saltar de um trem em movimento. Na queda, ocorrida em um vão entre o trem e a plataforma, Cordeiro perdeu o braço direito. Leite sofreu traumatismo craniano e está internado em estado gravíssimo.
Não havia nenhum segurança no trem, conforme a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Cordeiro e Leite embarcaram por volta das 21h30 de domingo na estação Brás Cubas, em Mogi das Cruzes. A noiva de Leite, que não quis ser identificada, e uma amiga de escola integravam o grupo. Os quatro iam descer na estação seguinte para jogar boliche em um shopping.
Segundo testemunhas, assim que a porta do vagão fechou, um trio de skinheads começou a ameaçar os rapazes com uma machadinha e um tchaco -arma formada por dois bastões unidos por uma corrente.
Os skinheads são conhecidos pela defesa de teorias nazistas e pela intolerância em relação a homossexuais, negros, judeus, nordestinos e punks. A ordem do trio, segundo testemunhas, era: "Ou pula ou morre".
"Eles ficaram apavorados, saíram correndo e passaram para o outro vagão", contou a noiva de Leite. De acordo com o relato de um adolescente, Cordeiro abriu a janela e saltou, seguido do amigo.
Um rapaz que estava no outro vagão contou à polícia que viu os skinheads entrarem logo após o salto das vítimas. Os carecas perguntaram à testemunha se os dois já haviam pulado. Diante da resposta positiva, disseram que, se as vítimas tivessem ficado no trem, teriam "morrido ali mesmo". "Eles são veados e dão beijo em boca de homem", disse um dos skinheads.
Os três passaram o resto da viagem ameaçando as testemunhas. Apavorados, elas preferiram não denunciar os criminosos quando chegaram à estação.

Ferimentos
A queda ocorreu em um vão de aproximadamente 30 cm. O trem passou sobre o braço direito de Cordeiro. O jovem, que tinha como hobby tocar guitarra, precisou ter o membro amputado.
Leite sofreu fratura craniana e perda de massa encefálica. Até a conclusão desta edição, estava na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e seu estado era considerado gravíssimo.
Um vigilante terceirizado da companhia, Anderson dos Santos Sena, relatou à polícia que "viu dois jovens na janela do trem" e, em seguida, após descer da composição, notou que os rapazes haviam caído. O boletim de ocorrência não esclarece de onde o vigia teria visto a cena e a CPTM não conseguiu localizá-lo.
Os jovens foram resgatados pelos bombeiros e levados ao hospital estadual Luzia de Pinho Melo.

Agressores
Na estação de Mogi, os três skinheads desembarcaram sem ser importunados, conforme mostram imagens gravadas pelo sistema de segurança da CPTM. Eles tinham a cabeça raspada, vestiam calças jeans, botas e jaquetas verdes, de estilo militar.
A companhia irá analisar fitas de outras estações de trem para descobrir em qual delas o trio embarcou. O material será entregue ao 2º DP de Mogi das Cruzes.
As duas moças, que continuaram no vagão, também desceram em Mogi e voltaram a Brás Cubas. "Não consigo esquecer a imagem daqueles monstros", afirmou a noiva de Leite, que só soube o que havia acontecido quando viu a chegada do resgate à estação.

Outro ataque
O caso de violência envolvendo skinheads de maior repercussão nos últimos anos foi a morte por espancamento do adestrador de cães Edson Neris da Silva na praça da República (região central).
Na madrugada do dia 6 de fevereiro de 2000, ele e Dário Pereira Neto, que conseguiu fugir, foram atacados por um grupo de skinheads na praça. O motivo do ataque seria o fato de as vítimas terem sido vistas de mãos dadas.
Minutos depois do crime, a polícia prendeu 18 acusados em um bar próximo. Um deles, em depoimento, admitiu que eles integravam o grupo Carecas do ABC.
Em dezembro do ano passado, o último dos nove suspeitos de matar o adestrador foi condenado. Sete integrantes do grupo foram condenados e dois, absolvidos. Os outros foram acusados de formação de quadrilha.

Colaborou o "Agora"


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