São Paulo, quinta-feira, 09 de dezembro de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

Correção e coerência

Na última prova da Fuvest, realizada em 28 de novembro, os candidatos tiveram de responder a um teste baseado nestas três frases: "I. O autor do texto assistiu ao filme sobre Cazuza. II. O filme provocou-lhe uma viva e complexa reação. III. Sua reação mereceu uma análise". A questão pedia ao candidato que apontasse a alternativa em que as frases estivessem "articuladas de modo correto e coerente".
As opções eram estas: "a) Tendo assistido ao filme sobre Cazuza, este provocou o autor do texto numa reação tão viva e complexa que lhe mereceu uma análise; b) Mereceu uma análise, a viva e complexa reação, provocadas pelo filme que o autor do texto assistiu sobre Cazuza; c) A reação que provocou no autor do texto o filme sobre Cazuza foi tão viva e complexa que mereceu uma análise; d) Foi viva e complexa a reação, que aliás mereceu uma análise, provocado pelo filme sobre Cazuza, que o autor assistiu; e) O filme sobre Cazuza que foi assistido pelo autor provocou-lhe uma reação viva e complexa, que a sua análise foi merecida".
O enunciado da questão fala em articulação correta e coerente, o que pressupõe respeito à norma culta da língua e emprego adequado dos elementos lingüísticos que estabelecem o nexo textual.
Comecemos pelo segundo item (o nexo). Que relação se pode estabelecer entre a reação que o filme provocou no autor do texto e o fato de essa reação ter sido merecedora de uma análise? A análise certamente decorreu da reação, portanto a relação é de causa e efeito, causa e conseqüência.
E quais são os elementos lingüísticos com que se pode estabelecer essa relação? Pensemos num caso bem simples: chuva forte e alagamento. Reflita sobre estas duas frases: "As ruas ficaram alagadas porque a chuva foi muito forte"; "A chuva foi tão forte que as ruas ficaram alagadas".
Embora tenham sido estruturadas de maneiras diferentes, as duas frases estabelecem entre a chuva e o alagamento das ruas a mesma relação: a chuva é causa; o alagamento, conseqüência.
Na primeira frase, empregou-se a conjunção "porque", clássica introdutora do nexo de causa. Na segunda frase, nota-se a seqüência "...tão forte que...", típica dos enunciados em que a oração que começa no "que" ("que as ruas ficaram alagadas", no caso) apresenta a conseqüência do que foi exposto na oração anterior.
Vamos voltar à questão da Fuvest. Se levasse em conta o nexo, o candidato poderia rapidamente pensar nas duas clássicas estruturas de causa e conseqüência (que acabamos de ver), as quais, grosso modo, poderiam ser apresentadas assim: a) "Por ter sido tão viva e complexa (= "Porque foi tão viva e complexa'), a reação que o filme provocou no autor do texto mereceu uma análise"; b) "A reação que o filme provocou no autor do texto foi tão viva e complexa que mereceu uma análise".
Com o procedimento sugerido, uma rápida vista d'olhos bastaria para o aluno escolher a opção "c" (a única em que o nexo é estabelecido adequadamente): "A reação (...) foi tão viva e complexa que mereceu uma análise".
Não se pode esquecer que a banca exige também correção. Na opção "b", por exemplo, a vírgula que vem depois de "análise" ("Mereceu uma análise, a viva e complexa reação...") separa o predicado do sujeito, o que basta para que essa alternativa seja imediatamente descartada. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras


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