São Paulo, quinta-feira, 09 de dezembro de 2004

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JUSTIÇA

Canadense Isabel Vincent diz que seqüestrador chileno de publicitário utiliza discurso da esquerda para aliviar sua pena

Caso Olivetto foi crime comum, diz escritora

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A jornalista e escritora canadense Isabel Vincent, especialista nas conexões do terrorismo com o mundo do crime, acha que a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar o terrorista chileno Mauricio Hernández Norambuena foi acertada. "Seqüestro é seqüestro, e não tem nada a ver com a luta esquerdista na América Latina", afirma.
Norambuena foi condenado a 30 anos de prisão pelo seqüestro do publicitário Washington Olivetto, ocorrido em dezembro de 2001. O Supremo Tribunal Federal autorizou em agosto a extradição de Norambuena para o Chile, onde foi condenado à prisão perpétua pela morte de um senador, mas cabe a Lula decidir quando ela acontecerá. Apesar de Norambuena reivindicar o status de prisioneiro político, por militar num grupo chileno que defende a luta armada (a Frente Patriótica Manuel Rodriguez), Lula já informou, por meio do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), que é contra a extradição -ele próprio ainda não tocou no assunto.
Vincent conheceu as conexões do terrorismo com o crime ordinário ao escrever "Uma Questão de Justiça", que aborda a participação de um casal canadense (Christine Lamont e David Spencer) no seqüestro do empresário Abílio Diniz, em 1989.
Lamont e Spencer foram extraditados para o Canadá em 1998 depois de o Congresso ter aprovado um acordo internacional feito sob medida para o casal. No Canadá, eles foram soltos sem cumprir a pena de 28 anos à qual foram condenados no Brasil.
A defesa dos pobres feita por prisioneiros como Norambuena não passa de um truque, diz. "Não se esqueça que o Pablo Escobar, na Colômbia, dizia a mesma coisa quando vendia cocaína", afirma.
 

Folha - O que aconteceu com Christine Lamont e David Spencer depois que eles foram extraditados para o Canadá?
Isabel Vincent -
Eles passaram um tempo numa prisão muito especial, em regime semi-aberto, e foram libertados há muito tempo. Não cumpriram a pena imposta no Brasil, 28 anos. Eles não aparecem na mídia canadense há anos.

Folha - Há algum paralelo entre o caso dos canadenses e do grupo que seqüestrou Olivetto?
Vincent -
Claro. Os dois seqüestros foram executados por grupos vagamente ligados à esquerda militante não-brasileira. No seqüestro do Diniz, os seqüestradores prometeram distribuir o dinheiro para os pobres da América Latina, mas na realidade o dinheiro era para comprar armas para a luta armada em El Salvador, para a FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional). No caso dos canadenses, eles contrataram uma companhia de relações públicas no Canadá para criar uma imagem do Brasil como um país selvagem do Terceiro Mundo. Isso não é verdade, mas foi um escândalo porque eles usaram estereótipos para convencer o povo canadense de que eram inocentes.

Folha - A decisão de extraditar ou não Mauricio Norambuena para o Chile está nas mãos do presidente Lula. O que você diria se ele lhe perguntasse: "E agora, o que faço com um comunista que lutou contra a ditadura do Pinochet e passou um tempo em Cuba?"?
Vincent -
Acho que o cara cometeu um crime no Brasil e deveria cumprir a pena no Brasil. Tudo bem que ele lutou contra Pinochet, mas seqüestro é seqüestro, e não tem nada a ver com a luta esquerdista na América Latina. Eu não vi prova alguma de que Mauricio Norambuena tinha intenções de usar o resgate do Olivetto para melhorar a vida dos pobres. Parece que as pessoas se esquecem do trauma vivido por Olivetto, que se julgava morto. Seqüestro é crime, e Norambuena e seu grupo devem pagar no Brasil.

Folha - Norambuena argumenta que é prisioneiro político porque lutava pela libertação dos oprimidos do Chile ao seqüestrar Olivetto. Que indícios a sra. tem de que isso não é mais verdade?
Vincent -
Os canadenses disseram o mesmo, mas a Anistia Internacional e os grupos de direitos humanos não quiseram se envolver com a campanha nem aceitaram que era uma ação política. Acho que esses grupos usam os pobres para cometer um crime comum. Não se esqueça que o Pablo Escobar, na Colômbia, dizia a mesma coisa quando vendia cocaína. Dizia que estava empregando pobres das favelas. Há outras maneiras de ajudar os pobres, e o crime comum não é uma delas. No Brasil, a desculpa de prisioneiro politico nesse tipo de crime é para conseguir uma pena menor.

Folha - A partir de que momento os grupos terroristas trocaram a luta ideológica pelo crime comum?
Vincent -
Esses grupos meio ligados à esquerda deixaram a luta ideológica depois do fim da União Soviética, em 1989. Já não havia dinheiro, e eles tiveram de inventar maneiras de arrecadar fundos.

Folha - A sra. tem idéia de quantos seqüestros foram cometidos na América Latina por terroristas que se bandearam para o crime?
Vincent -
Não, porque nem todos os seqüestros foram discutidos publicamente. Muitos foram escondidos pelas companhias que negociaram com os seqüestradores. Mas acho que é só olhar para a Colômbia, para os seqüestros cometidos pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia [Farc], para ter uma idéia.


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