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JUSTIÇA
Canadense Isabel Vincent diz que seqüestrador chileno de publicitário utiliza discurso da esquerda para aliviar sua pena
Caso Olivetto foi crime comum, diz escritora
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A jornalista e escritora canadense Isabel Vincent, especialista nas
conexões do terrorismo com o
mundo do crime, acha que a decisão do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva de não extraditar o terrorista chileno Mauricio Hernández
Norambuena foi acertada. "Seqüestro é seqüestro, e não tem nada a ver com a luta esquerdista na
América Latina", afirma.
Norambuena foi condenado a
30 anos de prisão pelo seqüestro
do publicitário Washington Olivetto, ocorrido em dezembro de
2001. O Supremo Tribunal Federal autorizou em agosto a extradição de Norambuena para o Chile,
onde foi condenado à prisão perpétua pela morte de um senador,
mas cabe a Lula decidir quando
ela acontecerá. Apesar de Norambuena reivindicar o status de prisioneiro político, por militar num
grupo chileno que defende a luta
armada (a Frente Patriótica Manuel Rodriguez), Lula já informou, por meio do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), que é
contra a extradição -ele próprio
ainda não tocou no assunto.
Vincent conheceu as conexões
do terrorismo com o crime ordinário ao escrever "Uma Questão
de Justiça", que aborda a participação de um casal canadense
(Christine Lamont e David Spencer) no seqüestro do empresário
Abílio Diniz, em 1989.
Lamont e Spencer foram extraditados para o Canadá em 1998
depois de o Congresso ter aprovado um acordo internacional feito
sob medida para o casal. No Canadá, eles foram soltos sem cumprir a pena de 28 anos à qual foram condenados no Brasil.
A defesa dos pobres feita por
prisioneiros como Norambuena
não passa de um truque, diz. "Não
se esqueça que o Pablo Escobar,
na Colômbia, dizia a mesma coisa
quando vendia cocaína", afirma.
Folha - O que aconteceu com
Christine Lamont e David Spencer
depois que eles foram extraditados
para o Canadá?
Isabel Vincent - Eles passaram
um tempo numa prisão muito especial, em regime semi-aberto, e
foram libertados há muito tempo.
Não cumpriram a pena imposta
no Brasil, 28 anos. Eles não aparecem na mídia canadense há anos.
Folha - Há algum paralelo entre o
caso dos canadenses e do grupo
que seqüestrou Olivetto?
Vincent - Claro. Os dois seqüestros foram executados por grupos
vagamente ligados à esquerda militante não-brasileira. No seqüestro do Diniz, os seqüestradores
prometeram distribuir o dinheiro
para os pobres da América Latina,
mas na realidade o dinheiro era
para comprar armas para a luta
armada em El Salvador, para a
FMLN (Frente Farabundo Martí
de Libertação Nacional). No caso
dos canadenses, eles contrataram
uma companhia de relações públicas no Canadá para criar uma
imagem do Brasil como um país
selvagem do Terceiro Mundo. Isso não é verdade, mas foi um escândalo porque eles usaram estereótipos para convencer o povo
canadense de que eram inocentes.
Folha - A decisão de extraditar ou
não Mauricio Norambuena para o
Chile está nas mãos do presidente
Lula. O que você diria se ele lhe perguntasse: "E agora, o que faço com
um comunista que lutou contra a
ditadura do Pinochet e passou um
tempo em Cuba?"?
Vincent - Acho que o cara cometeu um crime no Brasil e deveria
cumprir a pena no Brasil. Tudo
bem que ele lutou contra Pinochet, mas seqüestro é seqüestro, e
não tem nada a ver com a luta esquerdista na América Latina. Eu
não vi prova alguma de que Mauricio Norambuena tinha intenções de usar o resgate do Olivetto
para melhorar a vida dos pobres.
Parece que as pessoas se esquecem do trauma vivido por Olivetto, que se julgava morto. Seqüestro é crime, e Norambuena e seu
grupo devem pagar no Brasil.
Folha - Norambuena argumenta
que é prisioneiro político porque
lutava pela libertação dos oprimidos do Chile ao seqüestrar Olivetto. Que indícios a sra. tem de que isso não é mais verdade?
Vincent - Os canadenses disseram o mesmo, mas a Anistia Internacional e os grupos de direitos
humanos não quiseram se envolver com a campanha nem aceitaram que era uma ação política.
Acho que esses grupos usam os
pobres para cometer um crime
comum. Não se esqueça que o Pablo Escobar, na Colômbia, dizia a
mesma coisa quando vendia cocaína. Dizia que estava empregando pobres das favelas. Há outras
maneiras de ajudar os pobres, e o
crime comum não é uma delas.
No Brasil, a desculpa de prisioneiro politico nesse tipo de crime é
para conseguir uma pena menor.
Folha - A partir de que momento
os grupos terroristas trocaram a luta ideológica pelo crime comum?
Vincent - Esses grupos meio ligados à esquerda deixaram a luta
ideológica depois do fim da União
Soviética, em 1989. Já não havia
dinheiro, e eles tiveram de inventar maneiras de arrecadar fundos.
Folha - A sra. tem idéia de quantos seqüestros foram cometidos na
América Latina por terroristas que
se bandearam para o crime?
Vincent - Não, porque nem todos os seqüestros foram discutidos publicamente. Muitos foram
escondidos pelas companhias que
negociaram com os seqüestradores. Mas acho que é só olhar para a
Colômbia, para os seqüestros cometidos pelas Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia
[Farc], para ter uma idéia.
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