São Paulo, sexta-feira, 09 de dezembro de 2005

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TERROR NA LINHA 350

Menina que atacou ônibus no Rio é analfabeta, não tem documentos e chegou a pedir comida na rua

Alexandra, 13, trocou a esmola pelo tráfico

Paulo Araújo/Agência O Dia
A menina Alexandra (nome inventado por ela durante entrevista), que ajudou a queimar ônibus no Rio


CRISTINA TARDÁGUILA FERREIRA
COLABORAÇÃO PARA FOLHA, DO RIO

A menina de 13 anos que participou do ataque ao ônibus 350 não existe para o Brasil oficial. Não tem certidão de nascimento nem qualquer outro documento. É analfabeta, sabe o nome que sua mãe lhe deu, mas pede, na entrevista, para ser chamada de Alexandra, por admirar a personagem de Nívea Stelmann na novela "Alma Gêmea", da TV Globo. Alexandra, na ficção, é uma garota problemática que ouve vozes.
Na vida real, a história da garota que ajudou a queimar o ônibus e matar cinco pessoas -entre elas um bebê- começa na rua. Uma história de abandono que, somada à falta da família e à ausência do Estado, desemboca no crime e acaba exposta pela violência.
"Minha vida era uma coisa muito triste. Nunca pensei que passaria por isso. Tive que passar por tudo nesta vida. Por que tanto sofrimento não sei. Mas a vida é assim mesmo", desabafou. Numa das salas do educandário onde está internada, contou sua história a um grupo de jornalistas. Repetidas vezes disse que não falaria sobre o ataque ao ônibus ou da relação com o tráfico. O primeiro por remorso, o segundo por medo.
Lembra de pedir comida na rua pela primeira vez aos sete anos. A decisão foi após sua mãe perder o emprego de doméstica e ficar sem ter como sustentar os sete filhos. Há nove meses, a mãe morreu de tuberculose, aos 42 anos.
Durante todo esse tempo, diz, nunca foi procurada por assistentes sociais da prefeitura.
Pelo seu relato, Alexandra nasceu num 2 de agosto. Perdeu o pai quando era bebê e jamais soube qualquer coisa sobre ele. Nunca foi a escola ou aprendeu a ler.
Passar de pedir comida a se envolver com o tráfico foi um pulo. Mas a menina, de pernas e braços finos, cabelos curtos e enrolados, se recusa a falar sobre o convívio com traficantes como Anderson Gonçalves do Santos, o Lorde, suposto mandante do ataque ao ônibus. "Adotada" pela boca-de-fumo, fazia pequenos serviços: dava recados e embalava drogas.
"Não quero falar sobre nada disso porque, depois, fico chorando e com muita dor de cabeça. Estou arrependida, mas só quero pensar no meu futuro. Quero me tornar outra pessoa: entrar para a igreja evangélica, fazer o bem para os outros, estudar e virar médica", diz, sentada num dos encostos do sofá, com os braços estendidos, aparentando tranqüilidade.
Ela que, com outras seis pessoas, ajudou a queimar o ônibus afirma que não se considera má. "Acho que sou uma pessoa boa. Já ajudei gente desempregada e doente. Queria pedir perdão aqui porque o que eu fiz não aconteceu porque eu quis. Na hora, minha cabeça estava muito confusa", explica, sem alterar a voz.
No primeiro depoimento, relatou que escutou Lorde pedir para o grupo queimar o ônibus e matar todos dentro dele. Mas, anteontem, afirmou à Justiça que, ao ouvir a ordem, achou que era brincadeira. Disse ainda que cheirou lança-perfume antes do ataque.
"Se pudesse voltar no tempo, não faria o que fiz", disse ela, ontem, que repetiu várias vezes: "O que eu quero agora é ser feliz".
Perguntada sobre o que poderá fazer dentro da instituição, Alexandra revela que gostaria de aprender a tocar flauta e piano.
Uma casa, que não soube nem mesmo descrever, e um casamento feliz também fazem parte de seus sonhos para o futuro. Filhos, por enquanto, ficam de fora. "Eles dão muito trabalho", explica.
Segundo o secretário estadual da Infância e da Juventude, Evandro Steele, que acompanhou toda a entrevista, Alexandra tentou suicídio pouco depois da morte da mãe. "Ela chegou a subir em uma pedreira do Morro da Fé para se jogar, mas voltou atrás porque ficou com medo."
Ele admitiu que o processo de socialização dela pode demorar. "Ela é uma menina sem referenciais e valores. Como os demais internos do Degase, chegou aqui porque tudo falhou: a família, a sociedade, a igreja, a comunidade e, até mesmo, o Estado", disse o secretário.
A Secretaria Municipal de Assistência Social, responsável pelo atendimento a menores, preferiu não comentar o caso.

Prisão
Outra acusada do ataque, Sabrina Aparecida Marques Mendes, 21, a Brena, foi presa ontem. Ela namorava o traficante Lorde, que está foragido. Três vítimas não a reconheceram, mas a polícia diz ter dados para mantê-la presa, já que foi apontada por Alexandra.


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