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São Paulo, segunda-feira, 10 de fevereiro de 2003

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EDUCAÇÃO

Para ex-titulares da pasta da Educação e representantes de professores, ingerência e ações assistenciais prejudicam trabalhos

Ex-secretários criticam pressão e marketing

ARMANDO PEREIRA FILHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma secretaria de governo com muito dinheiro, prestígio e visibilidade -a vitrine da administração da maior cidade do país.
Em vez de ajudar, essa privilegiada condição tem atrapalhado a vida da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo.
A pasta teve três secretários em dois anos e está há um mês com uma secretária interina -especula-se que a decisão sobre o novo nome possa sair nesta semana.
Dois dos ex-secretários avaliam que na raiz dos problemas estão pressões por ações assistenciais rápidas e grandiosas e "olho gordo" por causa das verbas -a secretaria concentra quase um terço dos recursos da prefeitura, e muita gente quer se intrometer na sua gestão, inclusive para fazer marketing e obter efeitos eleitorais.
Representantes de professores, diretores e supervisores da rede corroboram essa análise e ainda reclamam de outros pontos:
1. As ações sociais, como distribuição de uniformes e material e criação de transporte escolar gratuito, consideradas importantes, mas não as principais, superaram a preocupação com o ensino;
2. Por causa disso, não existe um projeto pedagógico, e as escolas estão sem orientação;
3. O cargo de secretário está esvaziado, porque há muita interferência externa. Essa seria a causa da dificuldade de encontrar um titular para a pasta.
A Secretaria Municipal da Educação discorda da avaliação (leia texto nesta página).
O primeiro secretário da gestão Marta, o professor da PUC-SP Fernando José de Almeida, diz que é favorável às ações sociais ["são essenciais, maravilhosas"", mas a pressão eleitoral exigiu uma aplicação muito rápida.
"[A eleição" pressionou. Foram antecipadas as possibilidades de a escola assumir esse trabalho [social". Você produzir 2 milhões de uniformes é muito complexo. Botar 100 mil crianças dentro de peruas é uma operação de guerra. Então, essas ações sociais têm um tempo de maturação na escola que não é o tempo dos calendários eleitorais", afirma Almeida.
Para ele, era preciso discutir mais. Essa diferença de tempos foi o que precipitou sua saída.
O último secretário titular, Nelio Bizzo, vice-diretor da Faculdade de Educação da USP, que ficou só seis dias no cargo também fala sobre as interferências políticas.
"Este foi o conselho que a equipe que me assessorou em minha curta permanência na secretaria me deu: trabalhar mantendo uma linha técnica, sem se sujeitar a injunções políticas."

Cobiça
Almeida nega que houvesse ingerência excessiva de fora, mas ressalta o aspecto das verbas.
"Um terço do dinheiro que entra na prefeitura está na mão de um cara, os olhos de todos crescem. Aí todo mundo tem idéia para educação por causa do dinheiro que a gente tem. Então, nesse sentido, houve uma tensão muito grande, mas não houve nenhuma invasão", declara.
Para Bizzo, a questão da verba é importante. "O orçamento da secretaria pode dar uma falsa impressão de que se dispõe de recursos muito vastos, mas é dinheiro "carimbado", que já tem destino certo em sua grande maioria. Isso pode ter produzido um entusiasmo inicial excessivo. A secretaria se comprometeu com metas numéricas ambiciosas, dentro de prazos apertados."
Os volume de recursos serviria para fazer uma boa propaganda do governo Marta Suplicy, com ações de marketing e, por isso, haveria interferência do gabinete da prefeita. Assim pensam os críticos da política educacional.
"Ninguém está disposto a ser rainha da Inglaterra", diz Ismael Nery Palhares Junior, presidente do Sindicato dos Professores e Funcionários do Ensino Municipal (Aprofem), ao afirmar que o secretário não define as políticas.
Para ele, a divisão em subprefeituras vai piorar tudo. "Os recursos vão ser geridos pelos subprefeitos. O secretário fica com o ônus, mas não com o bônus", diz.
"O secretário está ali só para cumprir tabela", concorda Marisa Lage Albuquerque, presidente do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público do Município de São Paulo (Sinesp).
Na vida cotidiana da educação, alguns dos projetos propostos pela administração foram atingidos, como implantação do renda mínima, mas outros não foram conseguidos, como criação dos "escolões", os Centros Educacionais Unificados (veja quadro).
"A verdade é que, transcorridos dois anos, não há marca da administração na educação. O que existe é uma opção de governo de marcar com programa assistencialista", avalia o vereador Claudio Fonseca (PC do B), presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem).


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