São Paulo, sábado, 10 de março de 2001

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FÍGADO

Paul McMaster esteve em evento

Campanha é saída para aumentar as doações

EDMILSON ZANETTI
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

O Brasil só vai aumentar o número de doadores de órgãos por meio de campanhas, especialmente as feitas pelas igrejas. A opinião é do cirurgião britânico Paul McMaster, 57, um dos maiores especialistas do mundo em doenças do fígado.
Ele chefia a unidade de fígado e vias biliares do Queen Elizabeth Hospital, uma das referências mundiais no assunto. Sua equipe já realizou mais de 2.000 transplantes em 20 anos. O número é quase quatro vezes o que o Brasil realiza por ano. No Brasil, 3.400 pessoas engrossam a fila de espera para um transplante a cada ano, mas só 600 conseguem. Cerca de 30% morrem na fila.
McMaster anuncia que, em 20 anos, será possível transplantar órgãos de animais geneticamente mudados para seres humanos.
O cirurgião foi um dos convidados do 1º Simpósio Internacional sobre Doenças Hepáticas e Transplante de Fígado do Oeste Paulista, que reuniu de quarta-feira até ontem, em São José do Rio Preto (440 km a noroeste de São Paulo), especialistas do Brasil, Inglaterra, Japão, Turquia, Chile e Grécia. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Folha - O que é possível fazer para aumentar o número de doadores de órgãos no Brasil, especificamente de fígado?
Paul McMaster -
A taxa de doadores no Brasil é uma das menores do mundo. As pessoas não entendem que, se alguém morrer, é uma oportunidade única de ajudar alguém que está doente.

Agência Folha - O que é preciso para mudar essa mentalidade?
McMaster -
Campanhas. O transplante só pode ser feito com apoio da comunidade. O que conta é a vontade de ajudar. As campanhas das igrejas no mundo inteiro fazem a diferença.

Agência Folha - Como poderiam ser essas campanhas?
McMaster -
Na Inglaterra, líderes das igrejas são encorajados a incentivar as pessoas a participar.

Agência Folha - O que a medicina prepara para diminuir a necessidade de transplante de fígado?
McMaster -
Tentamos prevenir as pessoas para que não fiquem doentes. Uma das principais causas é o álcool.

Agência Folha - Que outros cuidados devem ser tomados?
McMaster -
Controlar a hepatite B e a hepatite C. O governo tem um programa de vacinação para bebês, contra hepatite B, mas para hepatite C não tem vacina. Ela é epidêmica e está se espalhando pela América do Sul.

Agência Folha - Alguns médicos defendem que, mesmo que se captem todos os órgãos disponíveis, ainda assim o número será insuficiente para atender as necessidades de transplante. Qual a perspectiva de a medicina utilizar órgãos de animais em seres humanos?
McMaster -
O ideal seria o transplante de órgãos de animais, mas é alto o risco de infecção. Mas isso será possível daqui a 20 anos. Na Primeira Guerra Mundial, 9 milhões de pessoas morreram. Em 1995, 13 milhões de pessoas morreram por causa de vírus, que podem ter vindo de animais.

Agência Folha - Seriam animais geneticamente modificados?
McMaster -
Sim. Eles vão mudar geneticamente para evitar rejeição. É nisso que estamos trabalhando hoje.

Agência Folha - Poderia ser a solução definitiva?
McMaster -
Talvez, mas as chances de sucesso hoje são relativamente pequenas.

Agência Folha - Existe idade limite para ser doador ou receptor de fígado?
McMaster -
Não. Desde um bebê com 2 kg até alguém de 75 anos.

Agência Folha - Quais os resultados dos transplantes de fígado?
McMaster -
No meu país, 75% vivem bem pelo menos cinco anos. Alguns são mais saudáveis que os médicos.

Agência Folha - No caso de doador vivo, quais são os riscos para quem doa?
McMaster -
Na Inglaterra não fazemos transplante entre vivos. Temos um programa ativo de transplante com cadáveres. Em muitos países essa técnica está sendo desenvolvida. Um risco são as infecções. O outro, muito pequeno, é o doador morrer.

Agência Folha - Existem números de mortes?
McMaster
Cinco mortes em todo o mundo, em 2.000 transplantes inter vivos. O Brasil tem altos índices de acidente de trânsito e de violência. Existe, portanto, um grande número de doadores em potencial. Se todo mundo trabalhasse junto, haveria um número suficiente de doadores. Tem lugar em que se divide o fígado em dois. Isso não acontece no Brasil. Os colegas brasileiros acham que vai aumentar o transplante inter vivos, mas eu acho que é esse, de cadáver, dividindo o fígado em dois, que vai aumentar.

Agência Folha - Se não existe consciência coletiva de doação no Brasil, o transplante inter vivos não seria uma saída para diminuir a fila de espera?
McMaster -
Eu espero que aumente primeiro o transplante com mortos.

Agência Folha - O senhor vê falhas na captação no Brasil?
McMaster -
Poderia ser melhor. Por que o Brasil tem o melhor time de futebol? Porque são jogadores bons individualmente e se juntam em equipe. No Brasil existem excelentes unidades de transplantes, mas deveriam trabalhar como um time.

Agência Folha - Quanto anos pode viver uma pessoa que recebeu um fígado de outra?
McMaster -
Começamos nosso programa em 1981. Três dos cinco transplantes que fizemos naquele ano estão bem até hoje. O problema são os três primeiros meses.


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