São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

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LEGALIZAÇÃO EM DEBATE

Vítimas de estupro são dispensadas de apresentar boletim de ocorrência para interromper gestação

Governo facilita aborto legal na rede pública

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma nova norma do Ministério da Saúde autoriza os médicos da rede pública a fazer aborto em mulheres que aleguem ter engravidado após estupro, mesmo que não haja boletim de ocorrência policial ou outro documento comprovando a violência sexual.
O texto normativo está sendo impresso e será distribuído ainda neste semestre aos serviços de aborto legal do país, após capacitação dos profissionais, mas já causa polêmica. Grupos religiosos acusam o ministério de incentivar a prática do aborto.
O Código Penal, no seu artigo 128, não exige documento para esses casos, e a mulher violentada não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Mas outra norma técnica do ministério, de 1998, no então governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), colocava o BO como documento obrigatório para a realização do aborto legal, o que ainda é seguido pelas unidades que prestam esse serviço.
"Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento", diz um trecho da norma técnica, a ser distribuída.
Pelo atual Código de Ética Médica, no entanto, o profissional da saúde pode alegar objeção de consciência e não realizar a interrupção da gravidez.
O novo documento do governo diz que os médicos não devem temer possíveis conseqüências jurídicas caso, posteriormente, descubra-se que a gravidez não foi resultado de estupro. Cita novamente o Código Penal, artigo 20, inciso 1º, que isenta de pena "quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima".
O aborto é permitido no Brasil nos casos de estupro e de risco à vida da mãe. Uma comissão tripartite vai analisar a descriminalização para outros casos.
Em razão da norma técnica, grupos religiosos acusam o Ministério da Saúde de promover e estimular o aborto. O assunto foi abordado em debate realizado na última segunda-feira na Folha e vem alimentando centenas de mensagens de repúdio enviadas ao ministério.
"Não tenho dúvida de que qualquer mulher que queira vai praticar o aborto por não precisar mais do BO. O boletim nos dava a certeza de que a mulher havia sido vítima de violência sexual e estava em gestação em conseqüência disso", disse o bispo emérito de Jundiaí, dom Amaury Castanho.
Na segunda-feira, o ministro Humberto Costa (Saúde) negou o estímulo ao aborto e sugeriu que as pessoas estavam confundindo a norma do aborto legal com outra que pretende humanizar o atendimento de mulheres já em processo de abortamento que dão entrada nos hospitais públicos.
"Não estamos promovendo ou estimulando o aborto e sim garantindo a vida de milhares de mulheres, ao qualificar o atendimento àquelas pessoas que chegam aos serviços de saúde em processo de abortamento espontâneo ou inseguro."
Ontem, porém, a assessora técnica da área da saúde da mulher do Ministério da Saúde, Regina Viola, confirmou o teor da nova norma e da mudança em relação à gestão FHC.


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