São Paulo, Quarta-feira, 10 de Março de 1999
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REDE DE CORRUPÇÃO
Polícia crê que vereador comande máfia da Penha; advogado diz que ele não está foragido e "não é bandido"
Viscome tem prisão decretada e foge

SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

A Justiça decretou às 13h30 de ontem a prisão temporária do vereador Vicente Viscome (PPB), 58, acusado de comandar a máfia da propina na Administração Regional da Penha, em São Paulo, que ele controla.
Como não o encontrou na Câmara, em sua casa e em sua quadra de esportes, às 18h a polícia declarou o vereador foragido. O parlamentar tem ido regularmente à Câmara, mas faltou ontem, dia de sessão.
A prisão temporária foi autorizada por três dias, a contar da apresentação do vereador, e pode ser renovada pelo mesmo período, a pedido da polícia. O mandado foi assinado pelo juiz Ivo de Almeida, do Departamento de Inquéritos Policiais. Viscome ainda não foi indiciado (acusado formalmente).
O advogado do vereador, José Guilherme Raimundo, disse que seu cliente viajou na noite de anteontem para Mogi Mirim por motivos particulares e não se apresentará à polícia enquanto a prisão vigorar. "Vou entrar com pedido de habeas corpus amanhã (hoje)."
Para Raimundo, a decretação da prisão foi um "abuso total de autoridade", porque seu cliente nunca foi intimado a depor. "Se for intimado, ele vai, mas não para ser preso. Ele não é bandido."
Viscome está em seu segundo mandato, para o qual foi eleito com 27.046 votos.
A polícia pretende indiciá-lo indiretamente por concussão (exigir vantagem para deixar de cumprir função pública) e formação de quadrilha, caso ele não apareça até o final da semana, quando o inquérito do caso deve ser encaminhado ao Ministério Público.
O pepebista é o primeiro vereador a ter a prisão decretada durante as investigações da máfia da propina -um esquema de extorsão infiltrado na estrutura da prefeitura paulistana.
Em troca de propina, os fiscais da prefeitura ignoram as irregularidades no comércio ambulante, na instalação de bancas de jornais, na construção civil, na coleta e na varrição de lixo, por exemplo.
Boa parte do montante arrecadado, segundo depoimentos colhidos no inquérito, segue para vereadores da base governista, que controlam as regionais e os demais órgãos públicos, indicando seus administradores. Em troca, são fiéis à orientação do Executivo e votam a favor de projetos do prefeito.
Há indícios de que outros vereadores comandam esquemas em outras regionais.

Namorada
De acordo com o delegado Naief Saad Neto, que investiga a ação da máfia na Penha, pelo menos três depoimentos foram decisivos para que a polícia decidisse pedir a prisão do vereador: do ex-chefe da fiscalização da Regional, Vladimir Augusto Ferreira, 37, do ex-administrador Pedro Antônio Saul, 49, e da assessora enamorada de Viscome, Tânia de Paula, 39.
Ferreira e Saul admitiram participar do esquema, disseram à polícia ter conhecimento da conivência do vereador com a rede e afirmaram saber que Tânia de Paula e Oswaldo Morgado da Cruz (ex-administrador regional) eram responsáveis por entregar ao parlamentar sua parte da propina vinda de todos os setores da regional.
O depoimento de Tânia de Paula, no entanto, é o que mais complica a situação de Viscome. Presa há uma semana, ela admitiu que recebia o dinheiro da extorsão e repassava a maior parte ao parlamentar.
"Era tempo de vacas magras. Eu dava ao Vicente de R$ 8.000 a R$ 10 mil por semana", disse Tânia, em depoimento dado no dia 6. A mando de Viscome, ela trabalhou na Penha de março a setembro de 97, época em que, segundo ela, a prefeitura estava assustada com o escândalo dos precatórios.
A namorada-assessora calcula que, em 97, Vicente Viscome faturava cerca de R$ 50 mil por mês em propina da regional, incluindo a parcela em dólar que vinha da empresa de lixo. Ela entregava a propina ao namorado em casa, normalmente quinta ou sexta.
Ela disse que parte das anotações que a polícia encontrou em sua agenda referem-se de fato à "contabilidade da propina" -o que pode ser usado como prova material em eventual processo criminal.
"Anotei para não esquecer de cobrar", explicou Tânia, referindo-se ao movimento de propina escrito na agenda, relativo a período em que se afastou da regional.


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