São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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EM NOME DO PAPA

Seguidores das jornadas criadas por João Paulo 2º defendem novo discurso para igreja manter fiéis

"Papaboys" brasileiros pedem igreja mais moderna

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA

"Gosto de beber uma cervejinha, falo palavrão e não vou deixar de ter amizade com alguém por ser gay, assim como acredito que o uso da camisinha é importante para prevenir doenças e até mesmo a gravidez", diz Érika Augusto da Silva, 20, cabelos avermelhados, quatro furos na orelha.
O depoimento não faria diferença se tivesse sido colhido em um colégio ou numa rave. Mas o ambiente de Érika é outro. Única católica praticante da família, neta de evangélicos, ela freqüenta um grupo de jovens católicos há quatro anos e vai à igreja pelo menos duas vezes por semana. Em agosto, pretende realizar um desejo antigo: participar de sua primeira Jornada Mundial da Juventude.
Os encontros que ficaram conhecidos como "Woodstocks católicos" foram a menina dos olhos de João Paulo 2º. Criadas pelo sumo pontífice em 1986, as marchas religiosas chegaram a reunir 4 milhões de jovens de todo o mundo em 95, nas Filipinas. Na penúltima semana, a juventude militante se pôs em vigília permanente na praça São Pedro para acompanhar a agonia final do papa. Sem nenhum acanho, apresentaram-se como papaboys.
No caso dos papaboys brasileiros, eles recusam o rótulo inglês e nem sempre concordam com as opiniões de Karol Wojtyla. "Fiquei triste com a morte dele, claro. Mas acho que suas idéias estavam um pouco distantes da realidade que vivemos", diz Érika.
Mas o que faz um jovem ser cativado por preceitos retrógrados justamente na fase em que costuma romper com o estabelecido?
"Os jovens passaram a adotá-lo como uma espécie de porto seguro", diz a antropóloga Regina Novaes, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), especialista em religião e juventude.
De pulseira negra no braço esquerdo em sinal de luto pela morte do santo padre, o administrador de empresas Herbert Kawamura, 32, é seguidor do papa desde os 18. Filho de católicos, se tornou militante da Pastoral da Juventude aos 25 e foi um dos jovens brasileiros na Jornada Mundial da Juventude em Roma, em 2002. Ele procurou o encontro para se tornar seminarista, mas acabou se apaixonando por uma garota de Mogi das Cruzes.
A relação durou três meses. Se o namoro não perdurou, serviu para Kawamura enterrar de vez a idéia de se ordenar. Hoje, a cada 15 dias, ele se reúne com jovens de 15 a 25 anos na paróquia São Paulo da Cruz, em Pinheiros, para discutir temas caros à igreja e também aos seus pares, como sexualidade e fé. "Acho que João Paulo 2º não permitiu abertura para a igreja dialogar questões morais importantes. Ele deveria ter sido mais flexível", diz.
Mesmo perdendo fiéis, o Brasil continua sendo o maior país católico do mundo. Pelos números do Censo 2000, os católicos representam 73,4% da população brasileira (ou 125,5 milhões de pessoas). Em 1991, eles correspondiam a 83,3%. A igreja ainda não sabe medir com exatidão qual o efeito das JMJ sobre o rebanho juvenil.
"Nossa esperança é que o novo papa abra o diálogo e permita que os jovens possam discutir temas fundamentais do seu cotidiano", diz a publicitária Patrícia Mustafá Coppio, 30, ligada à Pastoral da Juventude desde os 15 anos.
Seja qual for o novo papa, entre os 800 mil jovens que a organização da Jornada Mundial de 2005 pretende reunir em agosto, na Alemanha, haverá quem busque outros interesses que passam longe dos apelos religiosos. Segundo Luciano de Azevedo Farias Ferreira, 30, que coordena a Pastoral da Juventude na Arquidiocese de São Paulo, muitos jovens acabam indo para as jornadas atrás de turismo. "Não é para todos que o ápice nas jornadas são os encontros com o papa", diz.
Para a antropóloga Regina Novaes, parte do fascínio tem eco na carência da juventude atual. "Esse papa acolhia, perdoava e dizia acreditar no jovem." Resta saber em quem eles vão acreditar agora.

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