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Padres treinam celebração de missa em latim com DVD
Material divulgado na igreja contraria papa e classifica judeus como assassinos de Deus
Trecho de ritual litúrgico da Sexta-Feira Santa chama israelitas de "incrédulos" e "obcecados", que devem ser "arrancados das trevas"
JAMES CIMINO
DA REDAÇÃO
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A Administração Apostólica
Pessoal São João Maria Vianney, sediada em Campos dos
Goytacazes (RJ), cheia de fé e
críticas à modernidade, tem sido a maior divulgadora no Brasil da missa tridentina, a missa
em latim, que o papa Bento 16
permitiu que voltasse a ser celebrada em 2007.
O que nem o papa previu, entretanto, é que esse grupo, contrariamente à sua determinação expressa, teimasse em divulgar um texto religioso que é
considerado pelos judeus um
monumento de antissemitismo, particularmente na celebração da Sexta-Feira Santa,
em que se relembram a tortura,
crucifixão e morte de Jesus.
Em DVDs gravados por religiosos da Paróquia Pessoal do
Senhor Bom Jesus Crucificado
e do Imaculado Coração de Maria, também de Campos, aos
quais a reportagem da Folha
teve acesso, ouve-se a voz em
off chamar os judeus de "povo
deicida [assassino de Deus], o
qual um dia reconhecerá que
Jesus é o Messias".
Com tiragem não informada,
esses DVDs são, juntamente a
um livro de capa azul de 242
páginas -"Liturgia da Semana
Santa"- o principal meio de
propaganda do grupo. Por Sedex, o material é enviado a paróquias, a pedido de religiosos
interessados em aprender a
missa tal qual era celebrada antigamente -tarefa hoje mais
difícil, já que a maioria dos seminários baniu-a, assim como
o ensino de latim.
Na página 164, na oração
"Pela Conversão dos Judeus",
"Orémus et pro Iudaeis", os judeus são chamados de "incrédulos", de "povo obcecado",
que deve ser "arrancado das
trevas em que vive". Tal e qual
rezou-se desde o século 16 e até
o Concílio Vaticano 2º, de
1962-65 (veja abaixo).
"É uma missa difícil. Aqui,
não basta rebolar e cantar iê-iê-iê", disse a professora Inês
de Aquino Razzi, 58, referindo-se obliquamente ao padre Marcelo Rossi, da Renovação Carismática. O rito tradicional, celebrado ao som de cânticos gregorianos, é meticuloso na coreografia contida. O padre celebra a missa de costas para os
fiéis. Tem uma sucessão de
anáforas (o padre fala em latim
e o povo responde), muitas genuflexões (pôr-se de joelhos).
Há também diferentes entonações de voz (em alguns momentos o padre reza apenas para si mesmo). "A gente sente
mais a presença de Deus", diz
José Garbin, 28, engenheiro.
Quando o papa reabilitou a
missa tradicional por uma espécie de decreto, em julho de
2007, tomou o cuidado de combinar o zelo tradicionalista
com o politicamente correto.
Nas Celebrações da Liturgia da
Sexta-Feira Santa, retirou termos como "povo obcecado",
"que vive nas trevas", com que
antes se qualificavam os hebreus. Em vez disso, a "Oração
pelos Judeus" passou a pedir a
"que o Deus [...] ilumine seus
corações, para que conheçam a
Jesus Cristo".
Ainda assim, o mundo judaico não digeriu bem a reabilitação da missa em latim. Há um
ano, o Vaticano foi obrigado a
reafirmar que a nova formulação mantinha a atitude estabelecida pelo Concílio Vaticano
2º em relação aos judeus.
O grupo brasileiro de adeptos da missa em latim alega que
o livro azul e o DVD foram produzidos antes da revisão feita
pelo papa. O padre Claudiomar
Silva Sousa, 31, o instrutor que
aparece nos DVDs, afirma que,
apesar de o trecho banido
constar no material de divulgação, todos os padres que celebram a missa tridentina já o fazem de acordo com a revisão.
"Quando se esgotarem os livros
e os DVDs, o novo material será
feito de acordo com a determinação papal."
É uma justificativa que autoridades religiosas judaicas brasileiras, como o rabino Henri
Sobel, não aceitam. "Isso é um
retrocesso no diálogo entre judeus e católicos. É totalmente
incompatível com os ensinamentos do Concílio Vaticano
2º. Fico muito chocado e revoltado com o espírito das palavras ofensivas."
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