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ARTIGO
A necessidade de achar um inimigo
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Entendo, até certo ponto,
que proíbam o cigarro em bares
e restaurantes. Mesmo com
áreas divididas, os garçons terminam sofrendo as consequências do fumo passivo.
Mas impedir que alguém fume dentro de um quarto de hotel? Sem ninguém por perto?
Lembro ainda que em muitos
hotéis existem andares exclusivos para quem não fuma. Nem
mesmo o resquício de um cheiro de cigarro incomodaria os
mais sensíveis.
Houve tempo em que os fanáticos de direita procuravam
comunistas até debaixo da cama. Mas nem debaixo da cama
o fumante poderá se esconder,
pelo o que diz a lei recentemente aprovada pela Assembleia
Legislativa de São Paulo.
Debaixo de marquises também não. Pode-se fumar em
terraços, desde que não tenham cobertura. Assim, quem
sabe, será mais fácil identificar
o fumante de longe e fuzilá-lo
com um rifle de alta precisão.
No fundo, acredito que esses
exageros do antitabagismo correspondem a essa necessidade,
tão comum nos EUA, e imitada
aqui, de encontrar um inimigo
com quem lutar.
Acabou-se a ameaça comunista, e os membros da Al Qaeda não são tantos a ponto de
mobilizar uma caçada coletiva
que valha a pena.
Os fumantes, entretanto, estão em todo lugar -com a vantagem de se esconderem cada
vez mais. Deixam sinais de sua
presença. São nocivos, malignos, suicidas. Quanto mais cercados, quanto mais restrita a
sua área de atuação, mais fácil e
divertido será persegui-los.
Não acho que exista sadismo
da parte dos perseguidores. O
mecanismo é mais complexo.
Terror
O Estado e a população impõem um regime de terror sobre alguma minoria. Identificam nessa minoria uma ameaça: são "eles" os terroristas, são
"eles" que nos perseguem, são
"eles" que querem nos destruir.
Dito isso, podemos perseguir, aterrorizar e destruir.
"Eles" é que começaram.
O cigarro mata, claro. Quem
não tem medo da morte? E eis
que surge o grupo dos fumantes
renitentes, que parece não ligar
para isso. Os fumantes escarnecem de nosso medo da morte.
Fica fácil, dessa perspectiva,
identificá-los com terroristas.
A tentação para a caça às bruxas se torna muito grande. Instituir o Terror sempre foi o ato
reativo de quem está aterrorizado. Tome-se cuidado, entretanto. O fogo que queima as feiticeiras também costuma exalar muita fumaça cancerígena.
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