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ANÁLISE
Remoção não pode ser tabu
SÉRGIO MAGALHÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os anos 60 assistem à política de remoções de favelas, no
Rio, durante o governo Lacerda, líder da direita brasileira. O
modelo é o da transferência
compulsória das famílias para
conjuntos residenciais, situados na mais distante e vazia periferia. Essa política tem seu
ápice no governo seguinte, paradoxalmente eleito em oposição ao regime militar.
Mas a reação política, das famílias atingidas e de movimentos sociais organizados a partir
da questão, bem como a revisão
doutrinária urbanística que se
iniciava no mundo todo, deu lugar a um contraponto que impediu que tal política prosseguisse nas décadas seguintes.
Com a democratização do
país, a remoção passou a ser
vista com reserva. No Rio, a Lei
Orgânica lhe confere restrições
explicitas, tirando-lhe o caráter
discricionário que até então
poderia estar subjacente.
Urbanisticamente, percebeu-se que a diversidade morfológica pode ser uma riqueza,
que os espaços públicos multifuncionais são capazes de agregar uma vida urbana de melhores possibilidades e interesses.
A favela passou a poder ser vista como uma realidade social,
com causas e consequências,
sem preconceitos ou com menos preconceito.
O Programa Favela-Bairro,
da Prefeitura do Rio, a partir de
1993 tratou de urbanizar as favelas consolidadas, dando-lhes
condições de infraestrutura e
de serviços compatíveis com as
exigências contemporâneas.
Mas, evidentemente, não se
trata de uma panaceia. É preciso que os governos permaneçam depois das obras, com os
serviços públicos necessários,
inclusive o de segurança.
Persistindo a falta de uma
política habitacional que tenha
a família como protagonista,
que disponibilize crédito nas
condições adequadas, que compreenda a moradia em sua inserção urbana, que trate do
transporte público, persistiu a
pressão popular em favelas e
loteamentos irregulares. Expande-se a ocupação em áreas
proibidas, de risco, ou de proteção ambiental.
A cada desastre ambiental,
como o que sofre agora o Rio,
volta a questão: é preciso remover as favelas. Ora, a remoção
como política habitacional não
foi uma boa providência. Ela
deixou sequelas, seja para as famílias alcançadas, seja para a
sociedade. O filme "Cidade de
Deus" está a demonstrar.
Contudo, a remoção não pode ser um tabu. Há casos em
que é indispensável. Assim, a
remoção de famílias em risco
de vida, obviamente, tem que
ser uma política pública clara,
efetiva, permanente. Mas não
pode ser confundida com política higienista, de "harmonização" da cidade, ou mesmo de
interesse "ambiental".
Oxalá a cidade que o século
21 está construindo possa ser
um lugar múltiplo, de diversidade e de tolerância, uma cidade democrática.
SÉRGIO MAGALHÃES é arquiteto, professor da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro) e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no
RJ.de democrática.
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