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LEIS
Estupro vira cortesia e bebê,
testemunha em julgamento
EUNICE NUNES
especial para a Folha
Uma rápida
pesquisa nos escritos produzidos pelos operadores do direito
-juízes, advogados, membros do Ministério Público, sem falar nos estudantes e bacharéis em direito- mostra o quanto eles podem ser absurdos, na forma e no conteúdo.
Há petições, sentenças, pareceres que provocam consternação
em quem os lê, além do, muitas vezes, inevitável riso.
A jurisprudência não chega a ser
pródiga em disparates, mas tem lá
seu acervo de "pérolas".
Uma dessas foi proferida por um
juiz do interior de São Paulo há alguns anos e ficou famosa. Numa
ação que apreciava agressão física
do genro contra a sogra, o juiz disse que a atitude do acusado era
condenável, mas que "bater na
sogra uma vez por ano era o exercício de um direito".
Um outro juiz paulista, ao absolver um guarda municipal acusado
de bater numa senhora, disse, entre outras coisas, que se ela estivesse em casa, cozinhando para o marido, não teria apanhado.
Em outro caso, uma mulher condenada por crime contra a honra
(injúria, difamação ou calúnia) teve como punição usar, durante alguns meses, uma máscara cirúrgica sempre que saísse à rua.
Recentemente, um juiz de Cotia
(Grande São Paulo) decidiu que o
dedo mínimo da mão esquerda
tem "muito pouca utilidade" e
que "tende a desaparecer com a
evolução da espécie humana".
Mas não são só os juízes que cometem, no exercício de suas funções, tais desatinos.
Um procurador de Justiça, ao
dar seu parecer num processo de
estupro em que o acusado tinha o
sobrenome Cortez, escreveu que
"na realidade, Cortez nada mais
lhe fez (à vítima) do que uma cortesia".
"Fiquei tão chocada quando li a
frase, que a adotei como epígrafe
de um estudo que estou desenvolvendo sobre estupro", conta Sílvia
Pimentel, professora de filosofia
do direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP).
Há também casos de desatenção,
como o de um promotor de Justiça
que arrolou um bebê de seis meses
como testemunha num processo
sobre acidente de trânsito.
Os advogados também não escapam. Um deles, num processo criminal em que a vítima era uma
criança de cinco anos -ela participava de um filme pornográfico
em que seus pais eram atores-,
dizia na defesa que não havia crime algum, pois a criança era pequena e não ia lembrar-se do acontecido quando crescesse.
Num inventário, o advogado
afirmava que o "de cujus" (o falecido) havia deixado cinco "de cujinhos". Ele queria dizer que o
morto deixou cinco filhos vivos.
Luiz Flávio Borges D'Urso, professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP), atribui
parte do problema à formação geral dos profissionais. "Isso faz
com que eles reproduzam preconceitos no exercício profissional".
Sílvia Pimentel concorda. "É
preciso passar aos estudantes uma
cultura humanística mais ampla,
além do conteúdo técnico", diz.
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