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São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 2003

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TRANSPORTE

Área equivale a 6,5 vezes o tamanho do município de São Paulo; objetivo era repassá-la ao governo para pagar dívidas

Empresário comprou terra grilada no AM

CHICO DE GOIS
ALENCAR IZIDORO

DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário de ônibus Baltazar José de Souza, investigado pela Polícia Federal sob suspeita de enviar ilegalmente US$ 12,5 milhões ao exterior entre 1996 e 1997, adquiriu 970 mil hectares de terras registradas irregularmente no Amazonas para tentar repassá-las ao governo federal e amortizar dívidas com a Previdência.
Essa área corresponde a mais de seis vezes a do município de São Paulo. Os registros dela em cartório foram anulados pela Justiça em 2001 por serem considerados irregulares e alvos de grileiros -pessoas que se apossam de terras alheias mediante falsas escrituras de propriedade.
Segundo a Promotoria de Justiça da Cidadania, Souza deve mais de R$ 259,5 milhões ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
A revelação de que a terra foi comprada para ser repassada à Previdência é de Jair Dégio da Cruz, gerente contábil do empresário de ônibus. Mas ele diz que Souza não sabia que a terra adquirida em 1998 estava irregular.
Segundo Cruz, Souza gastou R$ 100 mil -valor insuficiente para a compra de um ônibus zero-quilômetro- por um lote de 329 mil hectares (cerca de duas vezes a área da capital paulista).
A idéia era repassar essa terra ao INSS por valores bem superiores aos de compra. Ela foi ofertada por Souza para ser usada na reforma agrária, mas a transação não foi aceita e ajudou a desencadear uma investigação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para identificar a grilagem de áreas no Amazonas.

Municípios
Os registros de propriedade de terra feitos por Souza e anulados pela Justiça, conforme documentos obtidos pela Folha, estão nos municípios de Canutama e de Tapauá, no sul do Estado.
Em Canutama, cuja área total é de 2,4 milhões de hectares, dos quais 95% pertencem à União, a Justiça anulou registros irregulares de 10,3 milhões de hectares -ou seja, quatro vezes a área existente. Do montante, 406 mil hectares estavam em nome de 18 empresas ligadas a Souza.
Em Tapauá, cuja área real é de 8,9 milhões de hectares, 7,8 milhões de hectares de terra tiveram suas escrituras canceladas pela Justiça -sendo 562 mil hectares em nome de Souza.
"Essas áreas não têm origem, não existem. Houve fraude", diz Euci Simões, juiz da Corregedoria Geral de Justiça do Amazonas.
O caso foi investigado no Incra e na CPI da Grilagem instalada na Câmara dos Deputados em 2001. Foi descoberta a existência de um esquema para falsificar as escrituras de terra visando a lavagem de dinheiro (para justificar uma determinada movimentação financeira), a realização de transações imobiliárias e a obtenção de empréstimos públicos e privados.
Cruz diz que Souza nunca soube da grilagem das terras e que, se elas têm escrituras falsas, ele foi enganado, já que pagou por elas e as obteve nos cartórios da região.
Essa situação, porém, é considerada inusitada por técnicos do Incra e da Corregedoria Geral de Justiça do Amazonas. Para eles, dificilmente alguém compra 970 mil hectares de terra, cerca de 6.062 parques Ibirapuera, sem conferir a documentação.
"Principalmente por envolver empresas, era de se esperar um mínimo de cuidado", diz Simões.
Os registros de terra de Souza em Tapauá foram feitos em 1998, segundo um relatório sobre terras griladas elaborado pela desembargadora Marinildes Costeira de Mendonça Lima e anexado ao relatório final da CPI da Grilagem.
A PF identificou as remessas de dinheiro de duas viações do empresário -a Januária e a Campo Limpo- ao exterior em 1996 e 1997. O relatório com as transações entre 1998 e 1999 não foi finalizado. As duas empresas citadas também estão na lista das que registraram as terras no Amazonas.
Elas participaram da aquisição de um imóvel rural denominado Pajeú de Flores, em Canutama, onde a Corregedoria Geral de Justiça identificou 79 registros irregulares. A Campo Limpo tinha 2.086 hectares da propriedade. A Januária, 788 hectares. Todos os registros foram cancelados em 9 de maio de 2001.
Na decisão que determinou a anulação, a desembargadora Lima diz que eles "não têm origem em título legítimo" ou "[estão] vinculados a títulos nulos de pleno direito".


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