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OMS agora descarta epidemia de Aids entre heterossexuais
Para o chefe do departamento de HIV/Aids da organização, estratégias de prevenção da doença podem ter sido mal focadas
Para entidades, declarações não levam em conta as diferenças regionais e podem desestimular
as ações de prevenção
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Pela primeira vez, a OMS
(Organização Mundial da Saúde) admitiu que o risco de uma
epidemia global de Aids entre
os heterossexuais não existe
mais e que as estratégias de
prevenção promovidas pelas
principais organizações de
combate à doença podem ter sido mal focadas.
As declarações foram feitas
pelo epidemiologista Kevin de
Cock, chefe do departamento
de HIV/Aids da OMS, ao jornal
britânico "Independent" anteontem. No mesmo dia, seu
antecessor, James Chin, afirmou que a OMS tem "sistematicamente exagerado" as projeções da epidemia entre os heterossexuais e desperdiçado recursos em educação voltada para o público jovem, sem grandes riscos de infecção.
Os discursos surpreenderam
as entidades brasileiras de
apoio aos portadores de HIV/
Aids. Os ativistas avaliam que
as declarações são equivocadas,
não levam em conta as diferenças regionais da doença e que
podem levar governos e população a diminuir as ações de
prevenção, o que seria catastrófico para o controle da doença.
Segundo Kevin de Cock, a
percepção da ameaça representada pelo vírus HIV mudou.
Enquanto antes era considerado um risco para populações de
todo o mundo, reconhece-se
hoje que, fora da África sub-saariana, o vírus ficou confinado a grupos de alto risco -homossexuais masculinos, usuários de drogas injetáveis, prostitutas e seus clientes.
"É improvável que ocorra
uma epidemia entre heterossexuais em outros países. Há dez
anos, muita gente dizia que haveria uma epidemia generalizada na Ásia -a China era o grande receio. Isso não parece provável. Mas precisamos ser cuidadosos. Pode haver pequenos
surtos em algumas áreas."
Problema gravíssimo
Na avaliação do ativista do
grupo Pela Vidda de São Paulo,
Mário Scheffer, mesmo onde a
epidemia está estabilizada
-como no Brasil- a Aids continua sendo "um problema gravíssimo de saúde pública". Há
1,6 milhão de pessoas infectadas na América Latina, das
quais 660 mil estão no Brasil.
A transmissão homossexual
foi superada pela heterossexual
no país. Em 2006, 27,9% dos
casos de Aids entre homens se
deram por transmissão homossexual, contra 42,6% de transmissão heterossexual.
Scheffer admite que em "alguns locais e em algumas situações", os números da Aids entre
os heterossexuais podem ter sido superdimensionados, mas
não é o caso do Brasil. "Aqui a
doença avançou muito, especialmente entre as mulheres."
Rodrigo de Souza Pinheiro,
presidente do fórum de ONG/
Aids do Estado de São Paulo,
também vê com preocupação
as declarações de Cock e de
Chin. "Não podemos tirar o foco dos heterossexuais. A Aids
continua crescendo entre as
mulheres e os idosos", afirmou.
Desde 1996, a Aids cresceu
entre as mulheres brasileiras e
ficou estável entre homens, segundo o Ministério da Saúde.
Entre as adolescentes de 13 a 19
anos, há 1,6 caso entre as mulheres para cada um entre os
homens. Entre as mulheres,
95,7% contraíram o vírus após
relação heterossexual.
O ativista Angelo Almeida
Lopes, da associação Aliança
pela Vida, exemplifica: "Na
nossa ONG atendemos 29 mulheres heterossexuais soropositivas, e a fila de espera para
mais atendimento é enorme.
Vemos um crescente aumento
de mulheres contaminadas".
Para Scheffer, os investimentos globais para conter a Aids
continuam sendo insuficientes.
"A Aids tem peculiaridades de
cada país, de cada região. Declarações desse tipo podem levar à redução dos insuficientes
recursos e das ações de prevenção e de assistência."
A diretora do Programa Nacional de DST e Aids, Mariângela Simão, estava ontem em
Nova York, participando de
uma reunião internacional sobre Aids, e não foi encontrada
para comentar as declarações
de Cock e de Chin.
Com o "Independent"
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