São Paulo, domingo, 10 de julho de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Bem-vindo a Sarajevo

Prédio na cracolândia com mais de 1.000 moradores vive ruína e vira palco de crimes

Diego Padgurschi/Folhapress
Edifício Sarajevo, na rua General Osório, centro de São Paulo

VANESSA CORREA
DE SÃO PAULO

Vive só na memória dos moradores mais antigos o tempo em que o prédio na esquina da rua General Osório com a Santa Ifigênia cintilava por fora, com seu revestimento em pó de mica, e tinha o hall de entrada forrado de mármore cor-de-rosa.
Hoje, a fachada remete a um cenário de guerra e rendeu ao condomínio Júlia Cristianini, de 1946, o apelido de Sarajevo, em referência à cidade destruída por conflitos na antiga Iugoslávia.
Não é só por fora que um dos símbolos da degradação da cracolândia lembra guerra. Moradores não se entendem, agressões físicas são comuns e uma briga em torno do dinheiro arrecadado pelo condomínio criou uma situação explosiva.

CRIMES
O marido da síndica e um amigo dela foram mortos dentro do prédio. Uma moradora diz ter sofrido tentativa de assassinato e diz suspeitar de uma vizinha. O levantamento de ocorrências no 3º DP resume a situação ali.
De 2007 até o mês passado, foram registrados no endereço do prédio dois homicídios, uma morte suspeita, 18 lesões corporais, uma tortura, 11 violências domésticas, 25 ameaças, 18 furtos, três roubos e sete casos de tráficos de entorpecentes.
Entre os outros 36 crimes, há 15 relatos de injúrias (xingamentos), calúnia e difamação. Segundo a delegada Sandra Dantas, os números mostram situação de conflito no prédio. "Muita gente morando no mesmo espaço, acaba acontecendo isso".
O edifício tem mais de mil habitantes em 243 apartamentos. Os maiores, com 45 m2, são alugados por até R$ 800 e vendidos por cerca de R$ 90 mil. Como roubos e furtos são frequentes, muitos têm grades na porta.
Ivonderli Cardoso, 48, colocou a proteção após notar tentativa de arrombamento. "Gosto de morar aqui, mas não temos segurança." Ela diz ter medo dos fios elétricos e do único elevador que (mal) funciona. A reportagem da Folha ficou presa ali.
Moradores dizem que a síndica, Sandra Cristina da Conceição, não presta contas e que o dinheiro não é usado em reformas. Ela foi condenada a pagar multa e a prestar serviços comunitários por apropriação indébita do dinheiro do condomínio.
Na sentença, o juiz afirma que ela se "utilizava de subterfúgios" para se reeleger síndica, e ameaçava moradores que a contestavam.
Sandra, que se reelege há dez anos, diz que a taxa, R$ 190 por apartamento, só dá para pagar água, luz e funcionários porque 45% dos apartamentos é inadimplente. Fora o condomínio, os moradores pagam a taxa da fachada de R$ 79.
A fachada foi interditada e a prefeitura exigiu que o prédio garantisse a segurança de pedestres dos pedaços de reboco que despencam. Enquanto a reforma não chega, o prédio foi envolto em bandejas de madeira.
As mortes do marido e do amigo, diz Sandra, são para ela um "mistério", embora suspeite que tenha a ver com "guerra de condomínio". Quem vive ali há tempos relata uma situação bem diferente até os anos 1980.
"Era muito bom antigamente. Tinha salas de advogados, contadores", diz Judith Vidal, 84, funcionária pública aposentada, no prédio há mais de 50 anos. "Agora já me perguntaram se o prédio foi invadido."
Suely Belkis Toledo, 68, tinha dez anos quando se mudou para o edifício. A investigadora de polícia aposentada diz que os natais ali eram famosos. "Todos colocavam luzes na fachada. O Papai Noel vinha no carro do Corpo de Bombeiros daqui do lado.
Foi um bom prédio de elite". Hoje, a prefeitura assinala o prédio como um dos que devem ser desapropriados devido ao projeto Nova Luz, que pretende mudar a região.
Moradores serão realocados em edifícios de interesse social a serem construídos na área do projeto.

FOLHA.com
Veja gravações do interior do edifício
folha.com/mm941256

Veja galeria de imagens
folha.com/fg3519


Texto Anterior: Danuza Leão: Queima de arquivo
Próximo Texto: Mortes
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.